Parlamentares e ecologistas brasileiros se uniram, nesta semana, contra as ações mais recentes de Jair Bolsonaro no processo de flexibilização dos agrotóxicos no País.
A articulação de ambientalistas vem junto com um grupo de 35 deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), que apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para suspender o novo dispositivo publicado pelo presidente publicado no final da semana passada.
A ação veio seguida da articulação dos parlamentares do Congresso e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que preparou uma resposta logo após a publicação da nova lei de Bolsonaro que facilita o processo de registro de novos pesticidas.
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“Como foi um decreto do Governo Federal, as possibilidades de reação seriam ou um Projeto de Decreto Legislativo, que foi protocolado já na quarta-feira pela bancada do PT, ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que só pode ser impetrada por partidos políticos no STF. Essas têm sido as nossas ações, mas a gente tem muita clareza de que a bancada ruralista hoje tem uma hegemonia muito grande no Congresso, e desse modo o que a gente precisa, em conjunto com essas ações legislativas, é do apoio da sociedade”, explicou o coordenador da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel, em entrevista à Agência Nossa.
Na última sexta (8), o presidente editou o dispositivo que regulamenta a Lei de Agrotóxicos no Brasil e implementou alguns pontos previstos no Pacote do Veneno (Projeto de Lei 6.299/2002).
O decreto dá mais poderes ao Ministério da Agricultura para decidir sobre agrotóxicos e retira do Ministério da Saúde, Ibama e Anvisa tais atribuições. A lei coloca o País na contramão da ciência e da legislação mundial, pois põe os interesses econômicos acima da saúde humana e da proteção do meio ambiente.
A Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, uma das principais na luta contra os defensivos agrícolas no Brasil, considera o Decreto 10.833/2021 “mais uma forma muito autoritária de governar atendendo aos interesses dos ruralistas e das empresas transnacionais que comercializam esses agrotóxicos”. Conheça 17 pontos 17 pontos considerados graves pela articulação que luta contra os agrotóxicos.
Segundo ambientalistas e cientistas, o novo decreto promete facilitar o processo de registro de pesticidas que podem até causar câncer, mutação genética e levar à malformação de fetos (Art. 31º § 3º), e também muda as regras de produção, utilização, importação e exportação de agrotóxicos no País.
O novo decreto também estabelece ser possível a revalidação, retrabalho ou reprocessamento de produtos agrotóxicos, o que na prática, pode legalizar a venda de agrotóxicos vencidos (Art. 69-A). Ademais, as empresas só precisarão fornecer dados sobre vendas uma vez por ano, e apenas ao Executivo Federal, diferentemente do que acontece hoje, em que a informação deve ser entregue a cada 6 meses, e também aos estados. (Art. 41º)
Além da Campanha, o Greenpeace Brasil, mais de 20 órgãos públicos como a Fiocruz, Inca, Ministério Público Federal e outras 320 organizações da sociedade civil, incluindo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, resolveram reforçar o combate ao decreto.
Articulação aponta ilegalidades
Para Naiara Bittencourt, advogada popular da Terra de Direitos e integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos, o decreto é ilegal e inconstitucional na forma e no conteúdo, como um ato direto do presidente e sem participação do Congresso Nacional ou da sociedade civil.
“O ato usurpa as competências do Poder Executivo porque inova e afronta vários dispositivos da atual Lei de Agrotóxicos, a Lei 7.802/1989, além de violar direitos fundamentais e sociais da Constituição Federal, como o direito à vida, à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à alimentação adequada”, enfatiza a advogada em publicação do site da Campanha.
De acordo com a entidade, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não será mais obrigado a publicar os registros de agrotóxicos no Diário Oficial, possibilitando a publicação apenas no Sistema de Informações de Agrotóxicos (SIA), que a organização diz não ter certeza da existência e nem saber se será público.
Outra mudança importante é a implementação da avaliação de risco, que é mais permissiva do que a avaliação de perigo, em vigor atualmente. Com essa alteração, mesmo que um agrotóxico apresente uma característica muito grave (por exemplo, ser cancerígeno), ele ainda poderia acabar sendo aprovado pelo Ministério da Saúde caso se avalie que nas condições de uso ideais o risco de que ele cause câncer é “aceitável”. Na prática, esse ponto pode acabar com os atuais critérios proibitivos de registro previstos na Lei 7802.
Mais um ponto que causou preocupação aos ambientalistas é a possibilidade do MAPA poder determinar, por diversos motivos, que agrotóxicos possam furar a fila e ter o prazo de registro reduzido, gerando uma pressão sobre órgãos de saúde e do ambiente, sem aumento da capacidade técnica de análise.
Governo alega modernização
Segundo a Agência Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgou uma nota dizendo que a alteração nas leis que regem o uso de agrotóxicos no País visa a modernizar os processos referentes ao uso de defensivos agrícolas nas plantações brasileiras, que são originalmente dispostos na Lei 7.802 de 1989.
Sobre a quantidade de novos pesticidas que poderão começar a circular no Brasil, o coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Bruno Cavalheiro Breitenbach, afirmou que ainda não é possível prever, já que o novo processo permite que um único número de registro de defensivo englobe uma linha de produtos comerciais – mudança avaliada como “evolução no processo”.