Pesquisadores do departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com o Observatório do Clima, realizaram um levantamento da paisagem submarina dos ecossistemas dos bancos oceânicos localizados na porção leste da Cadeia Fernando de Noronha, onde estão inseridos os blocos oferecidos na 17ª Rodada de leilão de petróleo da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A pesquisa resultou no estudo intitulado “Ensaio sobre a caracterização ecossistêmica, circulação das correntes e a exploração de petróleo nos montes submarinos da Cadeia Fernando de Noronha”.

Com financiamento oferecido pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e World Wide Fund for Nature (WWF), os cientistas realizaram expedições marítimas para produzir imagens dos bancos oceânicos da Bacia Potiguar, em uma profundidade onde a luz solar consegue penetrar. O material coletado expõe tanto os riscos de um eventual acidente de extração de petróleo quanto a riqueza da biodiversidade presente em toda a Cadeia Fernando de Noronha e nas áreas próximas ao Atol das Rocas. 

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Além disso, a pesquisa utilizou análises das correntes marítimas para demonstrar que as áreas ofertadas em leilão formam um ecossistema responsável pela conectividade ecológica dos recifes situados no limite norte da área de corais da costa brasileira, exatamente no limite com trechos mais profundos do oceano, onde a luz solar não penetra. 

“A ideia dos mapeamentos e monitoramentos dessas áreas é propor medidas de ordenamento pesqueiro e enfatizar cada vez mais a importância desse ecossistema para o Nordeste e para o Brasil”, explicou Mauro Maida, professor e pesquisador do departamento de Oceanografia da UFPE que participou do estudo. 

As expedições tiveram como foco a coleta de dados de três bancos oceânicos da Cadeia Fernando de Noronha, localizados na altura do litoral do Rio Grande do Norte. Os bancos, nomeados de Sirius, Baião e Maracatu, apresentaram uma vasta formação de recifes de corais e uma grande pluralidade de espécies, como é possível visualizar nas imagens a seguir. Todas as informações disponibilizadas nas legendas das imagens foram retiradas do estudo desenvolvido pela UFPE.

“Um recife de coral é a base do ecossistema, é como se fosse uma floresta. Em uma floresta você tem as árvores como base do ecossistema e no recife você tem os corais. Assim como em uma floresta, o recife de corais é a moradia de centenas de espécies que dependem de uma estrutura para sobreviver. É no recife de corais que estão todos os principais recursos da vida marinha”, explicou Maida.

Imagem: Departamento de Oceonografia/ EFPE

Através das imagens foi possível perceber que os recifes mapeados nos bancos Sirius, Maracatu e Baião se assemelham aos recifes do Atol das Rocas e do Arquipélago de Fernando de Noronha, o que indica que os montes marinhos da Cadeia Fernando de Noronha são ecologicamente conectados pelas correntes oceânicas que fazem parte de um mesmo ecossistema recifal. Sendo assim, as consequências negativas que uma exploração de petróleo consegue causar a essas áreas também podem atingir áreas de preservação ambiental.

Em uma animação produzida pelo estudo da UFPE é possível visualizar os blocos que foram a leilão pela ANP e a proximidade com a área de preservação ambiental do Atol das Rocas.  

“Alguns dos blocos leiloados nesta última rodada da ANP estão sobre os bancos submarinos, o que é uma coisa muito contraditória, porque além de você ter toda a ameaça a natureza, você precisa perfurar muito mais para chegar no petróleo, já que as composições dessas cadeias montanhosas submarinas são majoritariamente vulcânicas. Ou seja, isso significa um custo adicional na engenharia que precisaria ser montada para chegar até o assoalho oceânico dessas áreas”, explicou o pesquisador Moacyr Araújo.

Ecossistemas conectados

Integrante da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, Araújo participou da pesquisa sobre o ecossistema dos montes da Cadeia de Fernando de Noronha e previu o impacto ambiental que a exploração de petróleo poderia causar na região, através do mapeamento das correntes marítimas submarinas. 

O estudo da circulação superficial e subsuperficial das águas na região da Bacia Potiguar mostrou que a área engloba um regime de correntes responsável pela conexão ecológica entre os montes oceânicos presentes em toda extensão da Cadeia Fernando de Noronha. Portanto, a Bacia Potiguar é capaz de transportar plânctons, larvas e propágulos para toda a cadeia, facilitando, assim, a migração de nutrientes e diversas espécies nadadoras. 

O transporte das águas superficiais na Bacia Potiguar acontece de leste a oeste, através da corrente Sul Equatorial, e em maior profundidade, de oeste para leste, devido a ação da subcorrente Sul Equatorial. Por isso, um possível derramamento de óleo em qualquer uma das áreas da Cadeia Fernando de Noronha põe em risco todo os ecossistemas da região. 

“Quando a gente fala em derramamento de óleo a gente sempre imagina aquele derramamento que acontece na superfície, como o que aconteceu em 2019, que atingiu as praias do Norte e Nordeste e um pedaço do Sudeste, mas a gente precisa considerar todo o sistema de circulação ao longo da coluna d’água e não apenas na superfície. No momento da exploração do petróleo, quando o assoalho submarino é perfurado, podem acontecer pequenos vazamentos e o óleo é levado diretamente para a coluna d’água, e, a partir desse momento, ele é transportado pelas correntes superficiais, impactando toda uma região de alta biodiversidade”, enfatizou o pesquisador. 

Desastre ambiental seria de grandes proporções

Na 17ª rodada de leilões, a ANP disponibilizou para exploração cinco áreas localizadas sobre os blocos submarinos Touros, Sirius e Guará, todos da Cadeia Fernando de Noronha. 

Cerca de 50% da área de base do banco Sirius, que é composto majoritariamente de superfície vulcânica – considerado um material magmático raro, e os topos rasos dos bancos Guará e Touros, que abrigam uma vasta extensão de recife de corais, fazem parte das cinco áreas que a ANP está oferecendo. Uma decisão que coloca em risco toda a fauna e flora marinha do Nordeste brasileiro, como aponta o estudo desenvolvido pelos pesquisadores da UFPE. 

Os estudiosos alertam para o risco de um desastre ambiental na Cadeia Fernando de Noronha com proporções semelhantes ao Deepwater Horizon, um desastre industrial ocorrido em 2010, no Golfo do México, que resultou no derramamento de aproximadamente 4,9 milhões de barris de óleo e é considerado o maior desastre da indústria do petróleo. A estimativa foi realizada através de modelagens de risco desenvolvidas pelos pesquisadores.

“Além do impacto biológico, na biodiversidade marítima, um derramamento de óleo que alcance Fernando de Noronha causaria impactos socioeconômicos enormes, decorrentes principalmente da indústria do turismo e da pesca na região. Essas regiões próximas a Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas são locais que têm uma biomassa muito elevada porque é justamente onde ocorre a penetração da luz e dos nutrientes, por isso são áreas riquíssimas para a comunidade pesqueira”, explicou Moacyr Araújo. 

Para o pesquisador, a exploração de petróleo é uma atividade de alto custo e alto risco ambiental e, por isso, deve ser substituída por medidas que visam gerar uma energia sustentável. “A exploração de petróleo deve ser restrita ao máximo porque nós estamos em uma época de transição energética. Agora mesmo, diversos líderes se reuniram na COP 26 para discutir ações sobre a mudança climática e restringir ao máximo a exploração de combustíveis fósseis como o petróleo. Devemos investir em energia fotovoltaica, energia eólica, bioenergia, formas alternativas e seguras para o meio ambiente”, disse. 

Preocupados com a emergência ambiental, ativistas e pesquisadores seguem mobilizados para que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) retire os blocos da Bacia Potiguar e da Cadeia de Fernando de Noronha das áreas ofertadas em leilões, e buscam sensibilizar a sociedade civil sobre a importância da preservação do ecossistema marítimo.

“Nós fizemos um estudo todo baseado em imagens do ambiente para que as pessoas se sensibilizem e entendam que ali não estão apenas pedras, tem um monte de bichos que vivem ali. O Brasil tem uma consciência marítima muito pequena, muita gente pensa que o mar é uma coisa inesgotável, mas ele tem sofrido bastante”, declarou o pesquisador Mauro Maida.

*Reportagem de Giovanna Carneiro/Marco Zero Conteúdo