Com indicadores sociais se deteriorando a cada ano, o Rio de Janeiro viu disparar a diferença de renda entre ricos e pobres durante a pandemia, da 11a posição para o primeiro lugar do Brasil — dividindo a posição com o Distrito Federal, historicamente desigual com seus salários muito elevados de Brasília.
O Rio de Janeiro também é o único estado fora das regiões Nordeste e Norte que possui mais de 5% de sua população vivendo em extrema pobreza (menos de US$ 1,90 por dia), como revelou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Síntese dos Indicadores Sociais, pesquisa anual que trata de indicadores como pobreza e desigualdade
Para entender o que está por trás da degradação social no estado estampada por indicadores oficiais, a Agência Nossa procurou ouvir um dos maiores especialistas no assunto: o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
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Neri revela pelo menos duas particularidades que podem explicar a degradação da renda dos mais pobres e o aumento da desigualdade no Rio.
“O Rio de Janeiro aparece como um dos estados com mais desigualdade de renda do trabalho do Brasil. O nível de informalidade no Rio não chega ao da região Norte e Nordeste, mas é o maior do Sudeste. Então é uma informalidade quase nordestina e uma desigualdade também quase nordestina. Não tem nenhum estado com uma desigualdade (do trabalho) maior do que a do Rio de Janeiro, que não seja nordestino”, afirma.
No Brasil, de 2015 até o início da pandemia, a informalidade cresceu cerca de de 1 ponto e meio percentual. Já no Rio de Janeiro, a informalidade cresceu 7 pontos. “E essa característica tem um efeito de desproteger a população”, calcula o economista.
“Uma outra característica do estado que dificultou (a economia), principalmente durante a pandemia, é que de todas as unidades da federação o RJ tem a maior proporção de idosos. E a gente sabe que o bônus demográfico é ter uma população jovem, em idade de trabalho, que é uma das forças do desenvolvimento econômico”, explicou o economista da FGV.
RJ não fez o dever de casa
O economista da FGV Marcelo Neri não vê com um olhar positivo o futuro do estado do Rio a curto prazo.
“No Rio de Janeiro a gente não fez o dever de casa, a gente não fez os ajustes que o estado precisava. Não temos uma uma agenda estrutural, então acaba que o RJ vive algumas tendências momentâneas, como a subida do preço do petróleo, por exemplo, mas eu diria que são melhoras pontuais. Não vejo uma agenda de melhoras constantes no estado”, conclui.
O desemprego no Rio também vinha crescendo bem mais rapidamente do que no restante do País, com o desmonte da indústria naval que sustentava o estado com dezenas de milhares de empregos qualificados. Há quem diga que o fato de ter o Rio ter tido seus últimos governadores todos presos por crimes de corrupção também explica sua degradação econômica.
De acordo com o Índice de Gini, que mede a desigualdade social, de 2019 (0,552) para 2020 (0,548), o Rio de Janeiro sofreu com uma expressiva mudança na qualidade de vida de sua população em relação aos outros estados brasileiros, embora internamente o indicador tenha melhorado. Em 2019, o estado ocupava a 11ª posição no ranking de desigualdade no País. Já em 2020, o Rio passou para a 1ª posição, empatado com o DF.
“O Distrito Federal compartilha com o Rio o problema de metrópoles. Você tem problemas nas grandes cidades, que é um pouco do caos urbano. É onde se fica o maior tempo no transporte, onde há maior risco de inundação, onde há precariedade nas favelas e periferias. Tudo isso são dificuldades no dia a dia das pessoas que dificultam o crescimento não só no curto prazo, mas também no longo prazo”, afirma Neri.
O Brasil apresentou uma taxa de desigualdade melhor que a do estado. Com queda de 3,7% do índice, o indicador atingiu o menor valor da série histórica (0,524), também observado em 2015. Sem os programas sociais, por outro lado, o indicador apresentaria crescimento de 2,3%, com o maior valor da referida série (0,573).
Sem os benefícios sociais, o estado do Rio de Janeiro ficaria em 12ª lugar (0,582), junto ao Piauí e atrás apenas de estados do Norte e Nordeste do País. Isso indica que os programas sociais governamentais foram cruciais para diminuir a desigualdade em estados historicamente menos favorecidos economicamente.
Índice de Palma confirma discrepância
O Índice de Palma, outro indicador de desigualdade, também confirmou a disparidade econômica no estado do Rio. Em 2020, o índice chegou a 4,25, segundo maior do País, ficando atrás apenas do Distrito Federal (4,30). No ano anterior, o RJ foi o 11º estado mais desigual do Brasil (4,37), e ficou atrás apenas de estados do Norte, Nordeste e do DF.
No panorama nacional, em 2020, apesar do impacto da pandemia do novo coronavírus sobre o mercado de trabalho, o Índice de Palma chegou a 3,71, com uma queda de 9,1% em relação a 2012, quando os 10% com os maiores rendimentos se apropriaram de 4,08 vezes mais do rendimento total que os 40% com os menores rendimentos.
O economista chileno Gabriel Palma, criador do indicador, argumenta que as mudanças na desigualdade são determinadas, sobretudo, pelas mudanças nas parcelas de renda correspondentes aos 10% mais ricos e aos 40% mais pobres, enquanto a população nos décimos intermediários detém uma parcela estável do rendimento nacional, independentemente do país. Com base nessa proposição, o índice de Palma de concentração de renda é uma medida da captura da renda total do décimo com maiores rendimentos sobre a captura dos 40% com menores rendimentos.