Quase metade do ouro produzido e exportado pelo Brasil nos últimos seis anos tem origem suspeita, de acordo com estudo do Instituto Escolhas, divulgado nesta quinta-feira (10), que analisou mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração.

Entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou mais de 200 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. Desse volume total, mais da metade veio da Amazônia (54%), principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%). 

“A gente tem visto os impactos da extração de ouro na Amazônia de forma concreta, a violência que tem sido colocada sobre os povos indígenas, um grande arsenal de máquinas e diversos dos equipamentos que se espalham pelas áreas protegidas da Amazônia. Mas agora a gente trouxe um número”, afirmou a coordenadora geral do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues. “A análise de dados revelou um um número bastante alarmante”.

Assine nossa newsletter gratuita para receber as reportagens da Agência Nossa

Os casos envolvendo áreas protegidas incluem a TI Sararé (MT), a TI Kayabi (MT/PA) e os Parques Nacionais da Amazônia (PA), Mapinguari (AM/RO), do Acari (AM) e Montanhas do Tumucumaque (AP/PA).

Com a elevação dos preços do ouro no mercado, a produção nacional disparou nos últimos dois ano. Para piorar, a expectativa pela aprovação do projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas na Amazônia provocou uma corrida por pedidos de pesquisa mineral na região.

Foram identificados 11 títulos, entre Concessões de Lavra, Lavras Garimpeiras e Autorização de Pesquisa, que venderam ouro no período analisado e têm alguma sobreposição com Terras Indígenas e UCs onde a mineração não é permitida.

O ouro comercializado sem a informação dos títulos de origem corresponde a cerca de 27,5% do total (a informação sobre os títulos de origem está ausente da base de dados da ANM que registra as operações de recolhimento da CFEM).

A parcela do ouro de títulos onde há indícios de extração para além dos limites permitidos no intervalo de seis anos ficou em 18,5%, enquanto a porcentagem de ouro exportado sem registros que correspondam à produção oficial foi de 9,5%.

Extração de ouro registrada pelo Ibama. Foto: Divulgação

“O estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente. Uma consequência da total falta de controle e transparência na cadeia do ouro”, diz Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas.

O estudo aponta medidas para combater as ilegalidades na cadeia de comercialização do ouro. Entre elas está a adoção da obrigação de rastreamento do ouro. A associação também defende acabar com os benefícios legais aos garimpos e com a Permissão de Lavra Garimpeira.

O documento também reivindica a aplicação de recursos para a fiscalização da extração e comércio de ouro e para o combate a crimes e ilegalidades.

Nomes aos bois

De acordo com o Escolhas, quatro empresas do setor financeiro, conhecidas como Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), – F.D’Gold, OM (Ourominas), Parmetal e Carol – foram responsáveis por movimentar um terço de todo o volume com indícios de ilegalidade (79 toneladas), comprando ouro de garimpos na Amazônia e contaminando os mercados internacionais. Isso significa que 87% de suas operações são duvidosas.

“Essas empresas não só comercializam ouro, mas têm vinculações que são empresariais e por vezes familiares espalhadas por toda a cadeia do ouro. As pessoas que são responsáveis por essas DTVMs que fazem a compra desse ouro também tem elos nas empresas de refino de ouro, de comercialização, de exportações, de transporte, ou seja, você tem uma teia de relações empresariais e familiares que extrai ouro. E qual é o problema disso? Isso só comprova que essa cadeia ela fica inteira contaminada”, afirma Larissa Rodrigues a respeito do conflito de interesses existente na cadeia do ouro.

O estudo aponta que essas companhias possuem atuação em todas as etapas da cadeia produtiva do ouro. Entre elas há firmas que possuem garimpos com indícios de irregularidades que vendem ouro para suas próprias distribuidoras de títulos (nome dado para um tipo de agente econômico que adquire e repassa para outras empresas envolvidas na manufatura e venda de produtos).

Também há distribuidoras de valores de grupos empresariais com laços com empresas de refino, de transporte e de exportação. Segundo o Instituto Escolhas, isso é um problema pois gera um conflito de interesses “entre quem deveria estar interessado na legalidade do ouro adquirido e quem presta a informação sobre a origem do metal”.

Segundo o Instituto Escolhas, isso é um problema pois gera um conflito de interesses “entre quem deveria estar interessado na legalidade do ouro adquirido e quem presta a informação sobre a origem do metal”.

Empresas na mira do MPF

Três das empresas mencionadas no estudo – a F.D’Gold, a Carol e a Ourominas – já fazem parte de ações judiciais recentes do Ministério Público Federal (MPF), que pedem a suspensão de suas atividades pela comercialização de ouro ilegal no Pará.

No período analisado, as quatro empresas comercializaram um total de 90 toneladas de ouro. De acordo com este estudo, no montante há 50 toneladas sem informaçõessobre os títulos de origem, que é obrigatória e, na sua ausência, torna a origem do ouro duvidosa.

“O estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente. Uma consequência da total falta de controle e transparência na cadeia do ouro”, diz Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas.

A Agência Nossa procurou as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários citadas pelo estudo. Até o momento do fechamento desta reportagem, a F.D’Gold, a OM (Ourominas), a Parmetal e a Carol não haviam respondido.

Com reportagem da Agência Brasil

Matéria atualizada em 11/02 com nomes de empresas citadas pelo estudo após serem procuradas por nossa reportagem.