Um dos principais produtores mundiais de grãos, o Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo. Com gastos de US$ 3,5 bilhões na aquisição de fertilizante russo no ano passado, o País supriu 20% de suas necessidades do insumo naquele mercado. O percentual chega a 30% incluindo as compras brasileiras do produto procedente da Ucrânia e de Belarus. 

As importações de fertilizantes cresceram 98% no ano passado na comparação com 2020; representaram 62% de tudo que o Brasil adquiriu naquele mercado, segundo dados da balança comercial brasileira, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia. Uma polítca errática deste governo e do governo anterior — que optaram por fechamento de fábricas — acirrou o déficit.

“Questão sensível para o Brasil será como fazer a gestão do uso e da importação de fertilizante, pois a falta do insumo e o consequente aumento de preços no mercado internacional podem afetar a próxima safra de grãos, com o encarecimento dos custos de produção, pressão sobre preços e inflação para além de 2022”, diz Andreia Adami, professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).

Exportadores brasileiros temem calote da Rússia

Além da dificuldade de substituir fornecedores de fertilizantes no exterior, o Brasil terá que arcar com a alta dos preços internacionais do produto, que tendem a disparar. O mercado antevê uma corrida internacional. Todos os países importadores vão buscar fertilizantes em outros locais, em substituição a fornecedores do Leste Europeu.

Há a preocupação de que a China, por sua vez, grande produtora, tenda a suspender exportações de fertilizantes temporariamente para garantir oferta no mercado doméstico, após os preços dos insumos atingirem níveis recordes. 

Somente no ano passado, o Brasil comprou US$ 2,1 bilhões em adubos fertilizantes da China, níveis também recordes, com expansão de 250% em relação aos gastos com o produto em 2020. 

Colheita de soja. Foto: Divulgação

A trajetória de alta continua em 2022, quando no primeiro bimestre ano foram adquiridos pelo Brasil US$ 303 milhões em insumos chineses – incremento de 123% sobre o bimestre do ano anterior.

Há ainda fornecedores importantes como Marrocos, que, com vendas de US$ 1,6 bilhão em 2021, supriu 11% das nossas importações; e Canadá, com exportações ao Brasil de US$ 1,5 bilhão no ano passado.

Tradings calculam que Marrocos não tem capacidade adicional para exportar para o Brasil e tampouco o Canadá, país que teria que ampliar sua produção em no mínimo 200% para suprir a falta da Rússia no mercado brasileiro.

Para complicar ainda mais o cenário, produtores nacionais de fertilizantes estão postergando vendas do produto ou elevando seus preços enquanto observam e aguardam o comportamento da demanda, informam cooperativas de produtores rurais.

Guerra deve levar Brasil e Rússia a disputa por mercado chinês

A maratona mundial em busca do insumo terá impacto nos preços e consequentemente na inflação de alimentos no Brasil em 2022 e em 2023. Analistas dizem que se a guerra se prolongar e não forem retiradas as sanções, haverá problemas na próxima safra agrícola, que começa a ser plantada em setembro.

O tempo está correndo contra o Brasil. Não basta encontrar fornecedor de fertilizante; tem que fazer chegar o produto no país em tempo hábil. O Brasil não está incluído na lista russa de países hostis, mas a Rússia não tem como entregar o fertilizante, pois enfrenta dificuldade de acordar navio, contêiner e sistema de pagamento.

Os preços internacionais de fertilizantes já vinham subindo desde o ano passado, com o incremento da demanda mundial no pós Covid-19, e, agora, tendem a disparar.

Durante 2021, o preço médio de importação pago pelo Brasil já havia subido para US$ 364 milhões por tonelada – uma alta de 56% sobre 2020. E continua subindo em 2022: US$ 528 milhões por tonelada no primeiro bimestre, contra US$ 239 milhões por tonelada em igual período de 2021.

Todos os indicadores já eram de alta: os volumes de importação, que saltaram de 34,2 milhões de toneladas, em 2020, para 41,5 milhões de toneladas em 2021; e os valores de importação, que saíram de US$ 8 bilhões, em 2020, para US$ 15,1 bilhões em 2021, como mostram os dados da Secex.

Paralisação de fábricas de fertilizantes provocou forte depedência 

No acumulado dos dois primeiros meses deste ano o Brasil comprou US$ 670 milhões em fertilizante russo – um aumento de 70% em relação à janeiro/fevereiro de 2020. Com isso, o Brasil já registra, neste ano, déficit comercial com a Rússia de US$ 512 milhões.

No entender do petroquímico Gerson Castellano, diretor de Relações internacionais da Federação Única dos Petroleiros (FUP), parte do problema poderia ter sido evitada. O Brasil perdeu a oportunidade de se tornar autossuficiente na produção de nitrogenados (ureia), cujas fábricas da Petrobras foram desativadas, a partir de 2017, seguindo o planejamento estratégico da estatal de sair do setor.

“Somente na ureia, importamos hoje mais de 80% de nossas necessidades. Se tivesse funcionando a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), a dependência reduziria para cerca de 65%, porque essa unidade, que está ‘hibernando’ desde 2020, produzia quase 20% do todo o consumo de ureia do país”, afirma ele.

“Além disso, se a unidade da Petrobras no município de Três Lagoas (MS) – em processo de venda para o grupo russo Acron -, estivesse em operação, a necessidade de importações cairia para 50%; e se fossem tocados os projetos de Minas Gerais e Espírito Santo, o Brasil alcançaria a autossuficiência em nitrogenados”, garante Castellano.

Senado questiona venda de fábrica de fertilizantes para russos 

Enquanto isso, há movimentações no Senado Federal para que seja questionada no Congresso a operação de venda da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN-III), de Três Lagoas, para os russos. 

A fábrica, com mais de 80% de suas obras concluídas, quando começar a operar terá capacidade de produção de 3,6 mil toneladas de ureia e de 2,2 mil toneladas de amônia por dia. Entre parlamentares, há o receio de que o grupo Acron venha a priorizar exportações, em detrimento do mercado doméstico, já que as negociações não envolveram cláusulas de garantia de fornecimento doméstico. E mais que isso: não se sabe se o negócio com os russos será mesmo efetivado.

A Petrobras divulgou, em fevereiro último, que havia chegado a um acordo para as minutas contratuais e “para a venda de 100% da UFN-III” para o grupo russo Acron. Em nota, dizia ainda que a “assinatura do contrato de venda depende ainda de tramitação na governança da Petrobras, após as devidas aprovações governamentais”.

No entanto, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia travou o processo. E as sanções imposta aos russos, com o banimento do país do sistema bancário internacional, é mais um complicador para a concretização do negócio.

Numa tentativa de correr atrás do prejuízo, o governo anunciou, na semana passada, o Plano Nacional de Fertilizantes, um programa de longo prazo, que prevê reduzir para 50% as importações dos insumos até 2050. Pesquisadores da Embrapa estimam que a necessidade de fertilizantes no Brasil deve dobrar de 40 milhões de toneladas para 80 milhões de toneladas em 30 anos.

Ou seja, o novo plano não resolve o problema mais imediato. “É um plano genérico, sem a definição de responsabilidades. Na área de nitrogenados, o programa fala em concluir projetos que estavam em andamento e foram interrompidos, mas não diz quem fará isso”, diz Castellano, da FUP, com ceticismo.

 Edição de Sabrina Lorenzi