À primeira vista, num país com salário médio mensal de R$ 2,3 mil, recusar um emprego com ganho cem vezes maior que isso — R$ 230 mil, por baixo — soa quase que como loucura.
A dificuldade do governo Bolsonaro em encontrar alguém para o cargo de presidente da Petrobras tem vários motivos que poderiam incluir o fato de a indústria do petróleo, pasmem, oferecer salários bem maiores para seus CEOs.
Assine nossa newsletter gratuita para receber notícias da Agência Nossa
O salário médio de presidente de petroleira varia muito, do tamanho da empresa a suas margens de lucro. O presidente da BP recebe o equivalente a R$ 11,8 milhões (1,5 milhão de libras) por ano, enquanto o presidente da Shell teve remuneração anual de R$ 64,7 milhões (9,9 milhões de euros), segundo dados das próprias companhias enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) relativos a 2019.
Mas, neste caso, o que pesou na decisão de executivos que rejeitaram o convite para presidir a Petrobras não foi insatisfação com o salário. Os profissionais têm carreiras sólidas e estão bem posicionados no mercado.
Esta reportagem apurou que Décio Oddone não quis arriscar deixar o posto que ocupa na iniciativa privada — ele é presidente da petroleira Enauta — para ficar numa posição que neste governo não dura um ano. Mesmo que seja reeleito, Bolsonaro poderia descartá-lo rapidamente como fez com o general Joaquim Silva e Luna e Roberto Castelo Branco (antes deles, Ivan Monteiro conseguiu ficar dois anos na cadeira quente). Oddone foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo durante o governo Bolsonaro.
Adriano Pires tem pelo menos 20 anos de consultoria à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura e não queria abrir mão das dezenas de clientes que conquistou ao longo da sólida experiência. Tentou conciliar, passando o bastão para o filho, mas as regras de governança também não permitem esse grau de parentesco. A renúncia para evitar conflitos de interesse teria que ser maior.
Oddone e Pires não foram convidados à toa. Ambos entendem profundamente de mecanismos de amortecimento de preços dos combustíveis. Mecanismos que não comprometem a política de preços livres da Petrobras, ou seja, que permitem à petroleira continuar praticando valores que variam com as cotações internacionais.
Era o que Bolsonaro queria: quem defendesse a Petrobras mas soubesse dialogar sobre esses mecanismos de amortecimento com o governo. Outro nome que também entende do assunto e seria uma ponte entre a Petrobras e o governo foi Rodolfo Landim, convidado para presidir o Conselho de Administração.
Ex-presidente da BR Distribuidora e atual presidente do Flamengo, Landim assumiu as finanças do clube quando este amargava crise. Recusou o convite do governo Bolsonaro para o Conselho da Petrobras alegando que vai focar no time. Mas o que corre nos bastidores do Ministério de Minas e Energia é outra coisa.
Uma série de processos e acusações pendentes na Justiça teriam assustado o ministro Bento Albuquerque. Os relatórios da Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras indicavam que ações do Ministério Público envolvendo Landim no âmbito do “Petrolão” poderiam arranhar a imagem da Petrobras.
Os relatórios também indicavam conflitos de interesse com Adriano Pires, que só poderiam ser resolvidos com seu afastamento da empresa que comanda, e também de seu filho.
Por fim, no décimo dia de via crucis por nomes para comandar a Petrobras, o governo anunciou José Mauro Coelho, funcionário concursado da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), onde chegou à diretoria. Ele foi secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) e também presidente do Conselho da Pré-Sal Petróleo (PPSA).
O governo também definiu a indicação de Marcio Andrade Weber, que já é conselheiro da estatal, para assumir a presidência do Conselho de Administração.