A ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, afirmou, após analisar dados de autuações e medidas antiambientais do governo Bolsonaro, que as políticas atuais de combate ao desmatamento são um teatro. “Um engodo administrativo”.
“As operações foram mantidas, o que se comprova nos autos com números, mas sem eficiência, sem estratégia, sem cumprimento do regulamento do Ibama. Portanto, sem resultado de eficiência na fiscalização para evitar a permanência de estado de omissão fiscalizatória e afrouxamento administrativo que estimula e reforça a prática de ilegalidade e crimes”, disse, durante seu voto no julgamento que reúne sete ações contra o governo por danos ao meio ambiente.
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A ministra citou, entre outros dados, uma nota técnica de autoria de Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, que mostra os problemas do atual governo na execução orçamentária do Ibama, que acabou esvaziando o órgão mais importante de fiscalização ambiental. Em 2021 só foram liquidados, por exemplo, 41% dos recursos autorizados no orçamento referente à fiscalização do Ibama.
Em entrevista à Agência Nossa nesta sexta-feira, Suely, ex-presidente do Ibama, relata a falta de contratos novos para despesas com fiscalização. Estão para vencer, por exemplo, contratos de locação de helicópteros e caminhonetes essenciais para o deslocamento de funcionários que vão a campo para fiscalizar.
O Ibama tem hoje metade do quadro ideal, cerca de 2,5 mil servidores. O concurso recente também voltado para quadros do ICMBio só convocou profissionais de nível técnico, o que, para a ex-presidente do órgão, foi um equívoco. “Ajuda mas é insuficiente. O que adianta contratar nível técnico para um trabalho que é sofisticado?”, disse, por telefone.
No julgamento desta semana, Cármen Lúcia citou números de autuações verificadas em 2019 e 2020 na Amazônia, com queda de 29% em 2019 e 46% em 2020. Também falou da drástica redução de termos de embargo das sanções mais aplicadas em caso de desmatamento ilegal,
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“As falhas apontadas reforçam a tese apresentada pelos autores de deficiência estrutural” no combate ao desmatamento”, disse.
Citando ainda situações de assédio moral, aparelhamento político e falta de funcionários, a ministra concluiu que está comprovada a omissão do Governo Federal na execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Segundo Suely, a retomada deste plano (PPCDam) seria a saída do governo para cumprir a determinação da ministra em seu voto: que o governo apresente um plano ambiental efetivo num prazo de dois meses.
Mas o longo voto de Carmem Lucia foi seguido por um pedido de vistas do ministro André Mendonça, indicado de Jair Bolsonaro para o STF. Em sua intervenção, Mendonça repetiu argumentos do governo de que seria preciso comprar um novo sistema de satélites porque os dados do Inpe são insuficientes, de que não é possível responsabilizar desmatadores sem mudar a legislação de “regularização fundiária” e de que os países que compram madeira ilegal do Brasil têm culpa pela devastação.
Criminosos particulares e não países compram madeira ilegal, diz Moraes
Mendonça foi contraditado por Alexandre de Moraes, que disse que quem compra madeira ilegal não são países, e sim particulares criminosos, que “existem em todo lugar”.
Moraes lembrou ao ex-ministro da Justiça que o contrabando de madeira foi facilitado por atos do presidente do Ibama e do então ministro do Meio Ambiente, ambos alvos de um inquérito aberto pelo próprio Moraes no Supremo. Quem avisou o Brasil sobre o esquema, acrescentou Moraes, foi o governo dos EUA.
Para Suely Araújo, o voto de Cármen Lúcia representa um passo extremamente importante para o futuro do país:
“Foi um voto robusto, fundamentado em cada afirmação e de enorme alcance como precedente. O governo não tem a opção de não concretizar as políticas públicas inerentes aos direitos sociais assegurados pela Constituição. Esse voto é histórico não somente para a política ambiental, mas também para definir o posicionamento do Supremo com relação a omissões e retrocessos nas políticas públicas. Esse voto constituirá um precedente histórico também para os desmontes que estão ocorrendo no atual governo em relação a política educacional, de ciência e tecnologia e outras áreas”, concluiu.
Com reportagem adicional de Jaqueline Sordi, do Observatório do Clima