Quantas pessoas de classes A e B perdem o sono ao saber que um a cada três brasileiros vivem com menos de R$ 500 por mês? Ou que, ao menos, 55% dos brasileiros convivem com algum tipo de insegurança alimentar? Ou que 71% das famílias só contam com o sistema único de saúde e que 80,5% dos jovens brasileiros dependem do ensino público para estudar?
De acordo com dados apresentados por Maurício Prado, diretor da Plano CDE, num auditório lotado, nesta semana, no Teatro Santander, em São Paulo, doenças resultantes da falta de saneamento básico causam 600 mil internações por ano, o que gera um custo de R$ 108 milhões para o SUS. E o desafio é enorme: 73% dos lares brasileiros não têm esgoto tratado e, destes, 45% não têm sequer acesso à rede de esgoto.
Do alto do nosso privilégio, será que a gente está a par do que acontece nesse país?
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“O que estamos fazendo hoje aqui é política, política do bem, política que transcende qualquer noção de direita ou de esquerda, ou de qualquer coisa no meio. Política simplesmente de ser humano”, disse Sergio Rial, presidente do Conselho de Administração do banco, durante o evento Legado, promovido pelo banco Santander e o Instituto Bem Viver. O evento chamou a atenção de empresários sobre o Brasil que temos e o que queremos.
Em 2020, mais de R$ 7 bilhões foram doados no Brasil, sendo que muito desse dinheiro veio de pessoas de classes menos favorecidas. Mas apenas 5% da população ganha o equivalente aos outros 95%, evidenciando o desequilíbrio de renda e a responsabilidade de quem está na ponta mais fortalecida.
Somente 0,2% dos brasileiros fazem doações e quem doa mais são os menos favorecidos. Os mais ricos doam valores equivalentes a um terço do que doam os mais pobres, proporcionalmente à renda, de acordo com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).
No Brasil, o engajamento na filantropia ainda é incipiente em relação ao encontrado em outras nações. De acordo com o mais recente levantamento do World Giving Index (WGI), o país ocupa a 68ª posição no ranking global de filantropia. Nas primeiras posições estão Mianmar, Estados Unidos e Austrália.
Especialistas afirmam que, entre as razões para a baixa adesão à filantropia no país estão a falta de cultura de doação e os incentivos tributários – uma vez que o Brasil é uma das poucas nações que tributam doações.
Ao contrário de países como os Estados Unidos, que estão no topo do ranking, e onde há educação para a filantropia já no período escolar, no Brasil há percepção de que a responsabilidade por promover a redução das desigualdades é apenas do governo.
Filantropia é um conceito muito mais amplo que doar diheiro. Tem a ver também com conhecer, ter empatia e se dedicar a causas com recursos e conhecimento.
Preto Zezé, da Central Única de Favelas, falou sobre a responsabilidade da elite em transformar o Brasil. Contou que nos primeiros 6 meses em que chegou ao prédio de sua nova moradia no Itaim Bibi, foi barrado sete vezes na portaria.
Quando pediu que acendessem as luzes do auditório e perguntou se alguém ali reconhecia o racismo no Brasil, todos levantaram a mão. Mas quando questionou quem era racista, todos silenciaram. “Quando eu sofro o racismo, eu sigo sem brigar. Eu dialogo e faço o que chamo de constrangimento pedagógico”, disse.
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Já Djamila Ribeiro contou que demorou um tempo para atribuir, também à sua mãe, o fato de ter contribuído para que ela rompesse o padrão de formação das gerações anteriores à sua. “Se era meu pai que me levava ao teatro, comprava livros e mostrava que uma nova perspectiva era possível, era minha mãe, empregada doméstica, que me alimentava, penteava meu cabelo e fazia com que as 7h da manhã eu estivesse arrumada e pronta para a escola”, falou, antecipando que irá criar um instituto voltado a trabalhar o bem-estar e desenvolver o conhecimento das mulheres.
O médico oncologista Dráuzio Varella, por sua vez, chamou a atenção para a situação da população carcerária, especialmente a das mulheres. “Nós renegamos às mulheres pobres, especialmente pobres e negras, o degrau mais baixo da escala social”. Segundo ele, a realidade que mais se vê na periferia do país é de mulheres sozinhas criando crianças. Muitas vezes, de crianças criando outras crianças:
“Não dá para gente viver num país como este. O Brasil está ficando cada vez mais violento. Nós criamos no Brasil o crime organizado, pegando essas crianças todas da periferia, que viram adolescentes e que só têm uma alternativa para melhorar de vida que é participar do tráfico de alguma forma. E depois jogamos elas nas cadeias (…) Estamos alimentando o crime organizado com essa organização social. O estado não consegue dar nenhuma segurança numa situação como essa. Ou começamos a dividir o que nós temos ou temos que ir embora do Brasil porque essa situação é explosiva”, concluiu.
Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, falou a solidão das empreendedoras mulheres, embora elas sejam metade dos pequenos negócios do Brasil, e da necessidade de se investir nos negócios femininos.
“As mulheres empreendem muito impulsionadas pela maternidade e, quando empreendem, 40% usam o dinheiro do negócio como principal fonte de renda para colocar comida dentro de casa, para poder sustentar e ajudar sua família”, disse. “O resultado do negócio, ela investe em melhorar a educação dos filhos, dar uma escola melhor, uma condição e um material diferente, melhora o bem-estar da família e 40% dos empregos que ela cria são destinados a outras mulheres, criando um ciclo positivo e muito próspero”, completou.
Causas não faltam, nem braços. Como disse Sergio Rial, antes mesmo da doação existe um trabalho de conscientização.
“Não se pode doar quando não há conexão emocional. Não se compra bilhete de avião para a bondade. Antes de doar existe um trabalho que muitas empresas já fazem que é estimular o voluntariado. Quanto mais falarmos, mais induziremos umas e outras pessoas para pensar onde estão e o que é possível fazer”.
*Com reportagem da Agência Nossa