O governo federal acaba de publicar um decreto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. O documento tem como base a Política Nacional de Mudança do Clima, que procura reduzir a emissão de gases que provocam o aquecimento global.
Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto estabelece a criação de uma central de dados sobre a emissão de gases de efeito estufa, entre os quais o gás carbônico e o metano. Esta central, que será gerida pelo governo, deverá criar regras para a comercialização de créditos de carbono, por exemplo.
O problema, dizem especialistas, é que questões centrais não foram abordadas, como punições para quem não cumprir metas, tampouco o estabelecimento de critérios setoriais, para que haja um trabalho sincronizado voltado para metas comuns.
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Cada tonelada de gás carbônico corresponde a um crédito de carbono, que pode ser comprado ou vendido. Se uma nação precisa reduzir a emissão em 100 toneladas de CO2, mas consegue cortar 120 toneladas, fica com 20 créditos de carbono, que pode vender a outro país.
O decreto 11.075/2022 traz a obrigatoriedade de um plano de mitigação de gases de efeito estufa pelas autoridades, com metas de redução definidas – o que tem sido esperado do Brasil desde a última conferência do clima, quando o País falhou em não apresentar metas definidas.
Entre outros pontos, o decreto traz o conceito de crédito de metano, a possibilidade do registro da pegada de carbono de processos e atividades, o carbono de vegetação nativa – que chega a 280 milhões de hectares em propriedades rurais, o carbono do solo – fixado durante o processo produtivo, e o carbono azul – presente nas áreas marinhas e fluviais.
O diretor de Projetos do Centro Brasil no Clima, Willian Wills, explica que o decreto cria um registro único de créditos de carbono (Sinare – Sistema Nacional de Redução de Emissões de GEE) e classifica os créditos como ativos financeiros.
“O decreto se baseia na futura elaboração de planos setoriais, que deverão estabelecer metas setoriais gradativas de redução de emissões e definindo que os créditos de carbono utilizados para o cumprimento das metas deverão estar registrados no Sinare. Estes planos setoriais deverão ser aprovados pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima e Crescimento Verde, mas ainda não há definição de prazos e regras específicas”, afirmou.
Texto vago, não define setores nem prazos
Para especialistas ouvidos pela Agência Nossa, o texto saiu vago, sem especificar planos para setores nem prazos definidos. A minuta do decreto que circulava dias antes nominava setores – eram nove –, com nomes aos bois. Mas não aparecem no texto final. O decreto informa que estes setores (que não diz quais) “poderão” (não é uma obrigação) apresentar curva de redução de emissões em 180 dias.
O pesquisador do Instituto Climainfo, Shigueo Watanabe, afirma que, em primeiro lugar, as metas climáticas deveriam explicitar qual a parte da meta que cabe a este mercado tratar. É a partir daí, explica, que deveriam nascer os planos setoriais: quanto que a siderurgia poderia reduzir, o cimento, e assim por diante.
“O decreto não faz nem isso. Haverão planos setoriais desconectados da NDC. Falta a espinha dorsal desse mercado. Ele nasce invertebrado”, disse à Agência Nossa.
Outro ponto importante: se haverá metas, tem que indicar que haverá punições para quem não cumprí-las. O decreto sequer menciona isso.
“O mercado do decreto que já era invertebrado, nasce banguela, sem dentes para morder os faltantes. Quanto a ser um decreto, ele é quase um daqueles instrumentos infralegais que o Ricardo Salles citou falando das boiadas. O que esse decreto fez com um canetada, um outro o desfaz ou desfigura. A segurança jurídica que ele cria é zero. Alguns setores até podem apresentar planos, sabendo que são para ingles ver”, dispara.