Se foi difícil presenciar o embarque de milhares de bovinos antes da viagem longa e cruel, assistir a cenas do desembarque foi bem pior para a veterinária Luiza Schneider, vice-presidente de Investigação da Mercy For Animals, organização que luta contra a exploração animal.
Lançado nesta terça-feira, 26, o documentário “Exportação Vergonha” mostra imagens inéditas sobre a passagem pelo Brasil, em março de 2022, do Mawashi Express, o maior navio de transporte de animais vivos do mundo. O Brasil é o segundo maior exportador global de bovinos vivos por via marítima, entre o principal fornecedor do Norte da Africa e segundo do Oriente Médio.
Nos navios de transporte de animais vivos, os bois, em viagens que podem durar até mais de um mês, são amontoados sem espaço para movimentos, obrigados a deitar sobre as próprias fezes e urina. Para não tentarem se movimentar, cortam-lhes tendões e pernas, em algumas situações E quando chegam ao destino final, a crueldade piora em muitos dos casos.
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Em países do Norte da África e do Oriente Médio, animais costumam ser abatidos enquanto ainda estão conscientes e são capazes de sentir dor. Essa é a realidade, por exemplo, nos dois maiores importadores de bois vivos do Brasil, a Turquia e o Egito , onde o atordoamento antes do abate não é obrigatório. Não é permitido no Brasil abater esses animais enquanto estão conscientes.
“Se não pode aqui no Brasil por que deixam que esses animais brasileiros sejam submetidos a condições tão cruéis no exterior?”, afirmou Luiza, da Mercy For Animals (MFA), entrevista à Agência Nossa.
Entre 2015 e 2017, 24 empresas exportaram bois vivos no Brasil. Segundo a MFA, a Minerva, foi responsável por quase metade (47,6%) das exportações em volume, o que corresponde, aproximadamente, a 375 mil animais. Ainda de acordo com a ONG, vêm em seguida a Agroexport (16%), a Mercúrio (12,1%) e a Wellard (5,7%), por meio da sua subsidiária brasileira, a Wellard do Brasil.
Nomes aos bois
O principal acionista da Minerva é a Salic U.K. (30,5%), subsidiária britânica da Saudi Agricultural and Livestock Investment Company, empresa pertencente ao Public Investment Fund, o fundo soberano da Arábia Saudita.
A VDQ Holding, com 22,3%, detém a segunda maior fatia da companhia. O grupo tem origem na família Villela de Queiroz, fundadora da Minerva. A empresa expõe no seu quadro de acionistas também a Minerva SA, com 3,8%. Um dos acionistas, o banco Morgan Stanley, detinha participação de cerca de 4% em 2021.
Já a Wellard, empresa australiana listada na Australian Securities Exchange, é uma das maiores exportadoras de animais vivos do mundo. A empresa atua também no Chile e no Uruguai, além do Brasil, e possui navios próprios. Em 2020, a Wellard transportou 335 mil bovinos e 95 mil ovinos por mar.
Cerca de um quarto (24,5%) das ações da Wellard pertencem ao grupo chinês Fulida. O segundo maior acionista da empresa, com uma participação de 15,3%, é a Heytesbury, companhia privada australiana do agronegócio.
O banco francês BNP Paribas, detentor de 9,5% das ações, é o terceiro maior acionista da Wellard. O Citicorp e o HSBC também possuem participações na empresa.
A Mercy For Animals é uma das maiores organizações sem fins lucrativos do mundo dedicada ao fim da exploração animal em fazendas industriais e na indústria da pesca. Fundada há 21 anos nos EUA e presente no Brasil desde 2015, a MFA atua em outros países da América Latina, no Canadá, na Índia e está expandindo operações no leste e sudeste asiático.
A exportação de animais vivos por mar para abate já foi proibida na Índia e na Nova Zelândia , além de já ter sido suspensa três vezes na Austrália nos últimos quinze anos . O Reino Unido 80 assumiu o compromisso de erradicá-la. O tema encontra-se também na agenda do Parlamento Europeu. .
No Brasil, iniciativas em prol da proibição da exportação de animais vivos foram empreendidas nas esferas judiciária e legislativa, mas caminha lentamente. De autoria do senador Rudson Leite (PV-RR), o PLS 357/2018 tem enfrentando oposição desde que foi protocolado.
Narrado pela ativista Luisa Mell, “Exportação Vergonha” está disponível no canal da MFA no YouTube a partir desta terça-feira.
Pressão por banimento
A Mercy For Animals, em parceria com a ativista Luisa Mell, lançou uma petição em prol da aprovação do PLS 357/2018. A petição contava com mais de 450 mil assinaturas em maio de 2021
Um dos objetivos do documentário é chamar atenção das autoridades para a urgência do tema, visando sua proibição no Brasil.
Há iniciativas também entre estados como o PL 31/2018 , na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) e o PL 3921/2018 , na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
Na esfera judiciária, tiveram destaque as Ações Civis Públicas (ACP) movidas pela Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), em conjunto com a Associação Itanhaense de Proteção aos Animais (AIPA), em janeiro de 2018 , 87 no âmbito estadual, e pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA).
Um relatório produzido pela Mercy For Animals em parceria com a Repórter Brasil em 2021 trouxe um panorama sobre a exportação de animais vivos no país e propostas para solucionar o problema, que, além de causar extremo sofrimento aos animais, provoca graves impactos ambientais e sociais.
Desastres
Bois exportados vivos pelo Brasil foram vítimas de dois graves acidentes marítimos. Em fevereiro de 2012, mais da metade (52,8%) dos 5.200 bois transportados pelo navio de bandeira panamenha Gracia Del Mar morreram asfixiados durante a viagem em decorrência de uma pane no sistema de ventilação.
Embarcados no Porto de Vila do Conde, os animais pertenciam à Minerva e tinham por destino o Egito.
Em outubro de 2015, o navio de bandeira libanesa Haidar 43 tombou e afundou em um dos terminais de carga do mesmo porto. A maior parte dos 5.000 bois que haviam sido embarcados não sobreviveu. Muitos morreram presos dentro do navio. Outros se afogaram enquanto nadavam, na tentativa de alcançar terra firme. Os animais, também fornecidos pela Minerva, tinham po
O documentário também aborda a questão da cadeia de fornecedores da carne, integrada por empresas com histórico de trabalho análogo à escravidão e desmatamento.