O Brasil pode ser o primeiro país do mundo a zerar emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2040, calculam pesquisadores brasileiros reunidos na COP27, a Conferência do Clima das Nações Unidas, que ocorre até dia 18, em Sharm El-Sheikh, no Egito. 

Segundo os especialistas, a característica do país em ter a maior parte das emissões ligada ao uso da terra, que inclui desmatamento e fogo associado, e às atividades agropecuárias, torna possível neutralizar a liberação dos gases que estão causando o superaquecimento do planeta com “relativa rapidez”.

“Se eliminarmos as emissões por uso da terra, dá uma redução de 77% nas emissões brasileiras em relação a 2005. Se considerarmos a variação de carbono no solo por manejo de pastagem, podemos tirar mais 230 milhões de toneladas que são absorvidas nos solos agrícolas. E se acrescentarmos nessa conta que é possível reduzir 200 milhões de toneladas de metano, nossas emissões praticamente seriam residuais, disse Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas. 

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A conclusão foi apresentada no painel “Uso da terra no Brasil: vilão, vítima ou herói da crise climática?”, que iniciou a programação do Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil brasileira na conferência do clima, nesta segunda-feira (14). 

As emissões de outros grandes poluidores, como Estados Unidos, China e Rússia, estão mais atreladas à queima de combustíveis fósseis. 

“Quando reduzimos o desmatamento, isso aumenta a regeneração [e, por consequência, a absorção de gases do efeito estufa da atmosfera]. É muito possível o Brasil ser o primeiro país com emissões líquidas zeradas, em algum momento entre 2030 e 2040”.

Em outro painel na COP27, Marina Silva, Molon e vários representantes da sociedade civil fazem propostas para o novo governo. Foto:Fernanda Martinelli

Entre os cinco maiores poluidores do mundo, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de carbono equivalente em 2021. Foi o maior aumento em 19 anos, de 12,2% comparado ao ano anterior. A medida do carbono equivalente representa a soma do efeito superaquecedor de todos os tipos de gases do efeito estufa na atmosfera. 

A abertura da discussão no Brazil Hub, que deve receber o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta terça (15), foi feita por Toya Manchineri, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Ele ressaltou os impactos negativos do desmatamento para os povos originários, para as florestas e para osanimais que nela habitam, e indicou que o momento pede união para proteger a vida no presente e no futuro.

“O desmatamento traz a perda de nossa identidade cultural; traz fome e sede, porque perdemos sementes, e assim, se modifica o plantio e o modo de organização dos povos indígenas; traz a perda de vida do ecossistema da floresta. A floresta é tudo para a gente e deveria ser também para a humanidade (…) Se continuarmos com essa ganância, vamos destruir tudo o que temos. É o momento de cuidar desta grande aldeia do mundo”, afirmou Manchineri.

Florestas e outros tipos de vegetação nativa como savanas, tundras e áreas alagadas, guardam grandes estoques de carbono tanto acima quanto abaixo do solo. De acordo como IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), florestas tropicais como a Amazônia podem estocar cerca de 243 toneladas de carbono por hectare. 

A cada ano, todas as florestas do mundo absorvem em torno de 15,6 bilhões de toneladas de carbono -quantidade equivalente a três vezes as emissões anuais dos Estados Unidos -, mas aproximadamente 8,1 bilhões de toneladas são liberadas de volta para atmosfera por conta do desmatamento, fogo e degradação dessas vegetações.

Legado do mal

A área desmatada em 2021 na Amazônia Legal foi de 13.038 km2, a maior desde 2006, quando o desmatamento estava em queda desde os 27.772 km2 desmatados em 2004.

Como consequência, as emissões por desmatamento aumentaram 20% no país.

“Esse é o legado que o governo Lula vai herdar. O desmatamento que está ocorrendo no governo Bolsonaro vai entrar na conta da primeira taxa de desmatamento que o governo

Lula vai soltar, e olha que já está alta e o ano não terminou. Se parasse para contabilizar agora, o desmatamento da Amazônia até outubro já seria praticamente equivalente à taxa de 2016/2017 inteira”, comentou Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.

Juntas, a agropecuária e as mudanças por uso da terra no Brasil, que incluem desmatamento e fogo associado, respondem por 75% das emissões do país. Na Amazônia, o aumento do desmatamento está diretamente relacionado à grilagem e à ocupação ilegal de terras públicas. Mais da metade (51%) da área desmatada no bioma está dentro dessas terras. A área registrada irregularmente como propriedade particular dentro de territórios indígenas no bioma no Brasil aumentou 55% entre 2016 e 2020 e o número de CAR (Cadastro Ambiental Rural) cresceu 75% no mesmo período.

Em 2022, o Brasil teve 80% mais incêndios florestais entre janeiro e outubro que o mesmo período em 2021.

“A gente tem dois caminhos de solução: um deles está direcionado ao comando e controle forte e inteligente, que passa por identificar transações financeiras [do crime organizado na Amazônia], destinar florestas públicas e tirar as florestas do mercado ilegal de terras. O outro caminho passa por incentivos positivos para a redução do desmatamento, precisa de recursos para fortalecer os estados, de maneira que tenham uma vigilância sobre o cumprimento do Código Florestal”, concluiu Alencar.

A programação do Brazil Climate Action Hub na COP27 pode ser consultada no site do espaço, que fica na Zona Azul da conferência do clima. Todos os eventos são transmitidos