Em uma resposta elegante sobre os impactos do novo formato de meta de inflação sobre a política monetária, um dos maiores especialistas do tema no País afirma que a mudança dará “mais elegância” ao Banco Central. 

À Agência Nossa, André Braz afirmou que a meta contínua anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, permitirá ao Banco Central um prazo mais confortável para mexer nos juros.

Em outras palavras, com uma meta de prazo maior, o Banco Central também terá mais tempo para controlar a inflação, o que o permitirá adotar remédio mais brando, sem precisar de doses elevadas de juros na economia.

Assine nossa newsletter gratuita para receber as reportagens

“Vejo com bons olhos essa meta contínua, porque deixa a autoridade monetária menos refém de choques temporários ou até mesmo de políticos tentando manobrar a inflação”. 

O coordenador de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável por indicadores relevantes como o IGP-M (composto de preços no atacado – IPA e preços no varejo – IPC) avalia que o BC já tem bases suficientes para começar a cortar os juros, inclusive na próxima reunião do Copom, em 2 de agosto.

“Considerando que a meta vai começar em 2025, nesses 18 meses dá para imaginar que o BC já terá levado a inflação para a meta porque o caminho para a meta já está construído”.

O ministro da fazenda comunicou ontem ao Conselho Monetário Nacional a mudança no formato do sistema de metas de inflação. A mudança para a meta contínua fará com que o governo não precise mais discutir a meta anualmente.

O horizonte definido pelo Banco Central tende a ser de 24 meses, a exemplo de experiências internacionais.

Coordenador de preços da FGV: inflação não deve ser problema para as famílias brasileiras tão cedo

Veja a entrevista na íntegra:

Agência Nossa: A meta contínua anunciada pelo ministro Haddad poderá aliviar o Banco Central de doses tão elevadas de juros quanto as atuais, já que ele terá mais tempo para cumpri-la?

André Braz: Também vejo com bons olhos essa meta contínua, porque deixa autoridade monetária menos refém de choques temporários ou até mesmo de políticos tentando manobrar a inflação. 

A gente viu no semestre passado quando Bolsonaro cortou impostos da gasolina, da telefonia, zerou impostos federais, tudo para baixar a inflação às vésperas das eleições. Esse tipo de manobra perde o sentido quando se tem uma meta contínua. O horizonte relevante onde o BC vai ter que trabalhar acaba amenizando a necessidade de juro (maior) instantaneamente exatamente porque ele terá mais tempo para que choques temporários sejam absorvidos pela inflação. Então, por exemplo, temos uma seca de inverno, com necessidade de ligar térmicas, a inflação aumenta pontualmente. Nesse sentido o Banco Central vai ter um período mais confortável para mexer nos juros. 

Essa meta contínua vai dar mais elegância à autoridade monetária

A mudança começa em 2025, e até lá, como deve se comportar a política monetária?

Considerando que a meta vai começar em 2025, teremos 18 meses, e nesse período dá para imaginar que o BC já terá levado a inflação para a meta porque o caminho para a meta já está construído. 

Esses cortes já devem começar a ocorrer na próxima reunião dos dias 1 e 2 de agosto. Mas se não vier o corte agora, virá em breve. O corte deverá ser inicialmente de 0,25 ponto percentual. A depender dos resultados que ainda teremos da inflação medida pelo IPCA de junho e o IPCA-15 de julho, que são índices que serão divulgados antes da reunião, o BC poderá vir com um corte mesmo mais intenso, de 0,5 p.p … 

Isso vai depender do conservadorismo do Banco Central. A questão é que o governo pressionando a autoridade monetária desancora ainda mais as expectativas, estava levando o BC a uma reação mais austera, a dizer “olha, nós somos independentes, nós somos técnicos, e vamos levar a inflação para a meta”.

Se essa leitura de inflação controlada vier, pode acontecer um corte em agosto, mas se não acontecer nada, 45 dias depois, em setembro, o corte deverá vir maior. Então para agosto, o mínimo deve ser 0,25 e se vier somente em setembro, para compensar deve ser maior, de meio ponto.

A inflação recuou bastante por algum tempo, será que o BC perdeu o timing? Não há risco de os preços aumentarem no atacado depois de meses em deflação?

A inflação vem se comportando bem, a gente tem indicadores importantes, como o IGP, que já está negativo há vários meses e vem aprofundando a deflação. E mesmo que pare de cair tanto, ele já criou condições, já mediu que a pressão de custos da grande indústria está diminuindo e havendo essa diminuição nessa pressão de custos há uma inflação menor para a geração de bens duráveis, então isso tende a se repassar mais lentamente para o consumidor. 

A gente não vai ter inflação atormentado as famílias tão cedo.

Temos também previsões de safra muito positivas que vão ajudar a baratear os alimentos, então gradualmente se construiu um cenário mais favorável ao corte de juros. Acho que esse cenário não vai desmoronar da noite para o dia e vai emendar nessa situação da meta contínua que é mais fácil de ser manobrada pela autoridade monetária.