Com um dos mais complexos sistemas tributários do mundo, o Brasil finalmente vai unificar seus impostos sobre o consumo. O texto-base da reforma tributária aprovado  nesta quinta-feira em primeiro turno pela Câmara dos Deputados põe fim ao emaranhado de tributos, contribuições sociais e taxas que muitas vezes incidem sobre o mesmo gerador de receita. E beneficia sobretudo os mais pobres, que terão alíquota reduzida serviços básicos como transportes e alimentos além de cashback para transformar imposto em consumo.

Especialistas são unânimes em defender a reforma como necessária. O maior ganho para os brasileiros é a transparência que será alcançada com a simplificação dos impostos. Em uma versão federal e outra para estados e municípios, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), existente quase no mundo todo, vai substituir PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS, com apenas três alíquotas — a única, a reduzida em 40% para setores mais frágeis e relevantes e a zero, para itens básicos como alimentos. 

“A tributação no destino tende a colocar uma racionalidade, uma eficiência e um alinhamento do Brasil ao padrão internacional no que se refere à tributação na ponta de quem consome o serviço e o produto”, avalia o sócio coordenador da área de Direito Tributário de Silveiro Advogados, Cassiano Menke, consultor tributário da FGV/RJ.

Dois grandes articuladores da reforma, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se cumprimentam. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mas nem todos ganham com a simplificação dos impostos. Alguns setores da economia, que hoje possuem alíquotas mais baixas, deverão ter alta na carga tributária na hora da unificação. Algumas empresas de serviços deverão sentir esta alta.

“A lei foi discutida, está madura, vai tentar ser o mais justa possível mas ainda assim vão ter setores mais afetados. Hora ou outra alguém vai perder, mas em geral torna o país mais competitivo e cria clareza maior para o contribuinte”, afirma o advogado tributarista Pedro Pamplona.

O texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) foi aprovado em primeiro turno por 382 deputados —mais do que os 308 votos necessários para aprovar uma alteração constitucional. Foram 118 votos contrários e 3 abstenções.

O presidente da casa, Arthur Lira, fez minutos antes da votação um discurso contundente a favor da aprovação da reforma, que está em discussão no Congresso há quase três décadas. 

A seguir um resumo de ganhos e perdas com a reforma, segundo especialistas consultados pela Agência Nossa. Como a votação continuou em segundo turno, é possível que alguns itens elencados sofram alterações.

Ganhos

Simplificação de impostos, mais transparência: os consumidores contribuintes saberão com clareza que impostos estarão pagando, pois a incidência no destino, de um única vez, dará transparência

Fim da cumulatividade, incidência única: o texto diz que o IVA “atenderá o princípio da neutralidade e, para tanto, será não cumulativo, compensando-se o tributo devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores, exceto nas aquisições exclusivamente destinadas a uso e consumo pessoal, conforme disposto na lei complementar”.

Empresas que vendem mercadorias: “ganham as empresa que fazem compra e venda de mercadorias, por exemplo, supermercados. Que são justamente, as empresas que mais vão se beneficiar, por juntar diferentes produtos, diminuir impostos sobre a cadeia, tendo assim um ganho aí”, afirma Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do Coppead/UFRJ.

Baixa renda: O advogado tributarista Samir Nemer, lembra que há previsão de redução de 40% sobre uma série de itens, com a tributação passando de 25% para 12,5%. Entram nesta lista serviços como o transporte público, alimentos e produtos de higiene da cesta básica. 

“Um ponto positivo para os consumidores é a alíquota zerada para alguns medicamentos especiais, como os de tratamento de câncer, e para os serviços de educação superior no Prouni. Além disso, pequenos produtores agropecuários também vão ter esse benefício”, frisou Nemer, sócio do escritório FurtadoNemer Advogados. 

A reforma prevê ainda o “cashback” de impostos, ou seja, um mecanismo de devolução de parte do imposto paga pelo cidadão. A proposta é ter como referência o Cadastro Único (CadÚnico), usado para outros programas sociais, e que deve ser utilizado para listar os beneficiários desse retorno de impostos para o bolso do brasileiro. No Brasil, seria possível beneficiar 72,4 milhões de pessoas com o programa. Isso resultaria no potencial de R$ 9,8 bilhões ao ano de devolução de imposto, segundo a plataforma Pra Ser Justo.

Saúde e educação: medicamentos e dispositivos médicos, serviços de saúde, serviços de educação serão beneficiados pela alíquota reduzida.

Cultura e jornalismo: atividades culturais e artísticas, além de produções jornalísticas, também serão contemplados pela alíquota reduzida.

Bares e restaurantes: no último momento, o segmento conseguiu obter alíquota diferenciada para que o impacto negativo não fosse tão elevado, já o segmento de serviços sofrerá uma alta nos tributos.

Perdas

Baladeiros: a reforma prevê o chamado imposto seletivo. “Será uma alíquota maior para desestimular a compra e consumo de produtos como cigarro, cerveja, vinho e uísque, por exemplo, vão ficar mais caros para o consumidor. Para esse imposto seletivo, há uma previsão de uma alíquota até 50% maior, mas o percentual exato e todos os produtos da lista ainda não foram definidos”, afirma Nemer.

Empresas de energia: Rodrigo Leite lembra que muitos estados cobram alíquotas de ICMS muito acima para energia. E agora você terá uma diminuição e uma padronização disso em todos os estados.

Serviços: “Hoje, uma prestadora de serviço, seja um escritório de advocacia, de contabilidade, um cabeleireiro ou outros serviços, pagam em torno de 8% a 10% sobre o valor da prestação de serviço, a título de ISS mais PIS e COFINS. Agora, passarão a pagar 25%, pelo projeto de reforma. Isso é um grande aumento que, no meu entendimento, desrespeita a igualdade. Porque a igualdade significa você enxergar particularidades de setores diferentes e dosar a carga tributária de acordo com essas particularidades. E a particularidade do setor de serviços é de que esse setor não terá o mesmo volume de créditos para descontar do tributo a pagar, que a indústria terá. Então, se a carga tributária da indústria é 25%, é porque ela desconta bastantes créditos, já o serviço não. Então, esse é um impacto muito severo”, critica Cassiano Menke, consultor tributário da FGV/RJ.

Estados e municípios: vão perder autonomia para fazer política fiscal. “Isso é uma perda sensível de autonomia, porque os municípios têm programas fiscais para atrair negócios, incentivos para desenvolver setores estratégicos, para gerar empregos, gerar oportunidades e inclusão social e isso vai acabar”, critica Menke.