Pressionada por argumentos da iniciativa privada,  comissão do Senado aprovou nesta semana uma nova legislação que permite se pagar para coletar e processar o plasma, componente do sangue. Entidades brasileiras reagiram, temendo a diminuição de doações voluntárias, o desvio de sangue das suas funções públicas originais e o agravamento da desigualdade social.  

A Fiocruz  teme a exportação do plasma de brasileiros. “A comercialização do plasma poderia suscitar ainda movimentos de exportação, o que prejudicaria os brasileiros, deixando o país vulnerável diante de emergências sanitárias”.

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Em nota,  a Fiocruz considera ainda que a comercialização faria a desigualdade social aumentar no país: “a comercialização pode atrair pessoas em situações financeiras difíceis, dispostas a vender seu plasma, além de facilitar o acesso a pessoas que podem pagar, em detrimento daquelas que não têm condições. Atualmente, o plasma doado no país atende exclusivamente às necessidades da população brasileira e traz retorno na forma de acesso a medicamentos”, comentou a Fundação.

Com 15 votos a 11, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (4) a Proposta de emenda constitucional (PEC) que autoriza a coleta, processamento e venda de plasma humano, um dos componentes do sangue,  pela iniciativa privada. Com isso, exclui o artigo 199 da Constituição, o qual veda qualquer comercialização de tecidos, órgãos ou substâncias humanas. 

A proposta também foi muito criticada pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o próprio governo federal, que em nota ressaltou ser “ contrário à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue ou de plasma, uma vez que isso desestruturaria a política nacional de sangue”.

Inúmeras entidades brasileiras foram contrárias à PEC 10/2022. Foto Lula Marques/ Agência Brasil 

O Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha também ressaltou que poderia ter consequências graves para o brasileiro médio: “Se a gente desestimular a doação de sangue porque o sangue virou um comércio, pode faltar sangue até para transfusão, além de faltar o plasma para a Hemobrás processar, em assistência aos hemofílicos. Poderia faltar sangue na ponta, como quando você entra na emergência do hospital”, relatou em nota. 

Em resposta à campanha da iniciativa privada, além de se posicionar contrária à comercialização do sangue, a Hemobrás elencou em um documento dez motivos pelos quais a PEC deveria ser arquivada, entre eles estão: 

  • Comercialização do plasma – impacto na doação de sangue
  • Retirada de item sobre remuneração do doador
  • Destino da coleta privada do plasma – necessário fortalecimento da hemorrede
  • Desperdício de plasma excedente pelos bancos privados
  • Rota do plasma brasileiro
  • Produção e aumento do preço dos medicamentos
  • Distanciamento do abastecimento prioritário
  • Desafio do abastecimento

De acordo com a lei atual, toda doação deve ser voluntária e o material passado para o Sistema Único de  Saúde (SUS), que os encaminha à Hemobrás, que é responsável pelo processamento do plasma em medicamentos hemoderivados aos brasileiros. A disputa em torno do plasma ocorre porque ele é o componente do sangue utilizado para a produção de medicamentos importantes no combate ao câncer, insuficiência renal, HIV, entre outros.  Com isso, o valor de produção desse componente é muito elevado. 

Esse seria um dos motivos pelos quais a relatora da PEC, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), defendeu a proposta, argumentando que a mudança faria com que o setor privado, em concorrência, poderia aumentar e baratear os custos da produção de medicamentos para o Brasil: “é óbvio que a concorrência vai baixar o medicamento, e o SUS vai comprar mais barato”, afirmou a relatora. 

Já aprovado na Comissão, o texto vai para o Plenário e se aprovado, para a Câmara dos Deputados.