Com o aumento da temperatura em todo o mundo, a 28ª edição da Conferência das Partes tinha como maior expectativa um acordo sobre a eliminação de combustíveis fósseis, mesmo que gradualmente. Finalmente, pela primeira vez, os países se comprometeram com isso, mas não houve uma fala precisa sobre os meios de se eliminar os combustíveis, deixando em aberto para os países escolherem como realizar essa mudança.  

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Após 2 semanas de discussões, a eliminação, mesmo que gradual, não foi um consenso entre todas as partes e a decisão final avançou pela madrugada do último dia. Para a ONU, o resultado ainda é positivo: “Embora não tenhamos virado a página da era dos combustíveis fósseis em Dubai, este resultado é o começo do fim”, disse o secretário-executivo da ONU para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, em seu discurso de encerramento. “Agora, todos os governos e empresas precisam transformar essas promessas em resultados da economia real, sem demora.”

Em seu último discurso pela cúpula, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, afirmou que o compromisso de mitigação e adaptação assumido por todos os países é “incontornável”. Além disso, ela ressaltou a importância dos países mais ricos nessa mudança: “É fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira da transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”, discursou a ministra.

 A participação de 2400 lobistas do setor de combustíveis fósseis, um aumento de 277% em relação à última edição, segundo dados da Kick Big Polluters Out (KBPO), não deve ter facilitado a negociação, muito menos o fato do presidente da COP 28 ser, também, o presidente da empresa estatal petrolífera dos Emirados Árabes. 

FOTO: DIVULGAÇÃO

No balanço global do evento, destaca-se que as partes devem acelerar os esforços para a redução gradual da energia a carvão. Quanto aos combustíveis fósseis, o texto final não aponta meios claros de se reduzir o uso, apenas destaca que deve ser feito um “afastamento dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, com os países desenvolvidos continuando a assumir a liderança.”. 

Para o Diretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy (TNC), Andrew Deutz, a adição dos combustíveis fósseis ao texto mostra a preocupação dos países com o aquecimento global: 

“Não se enganem: incluir todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão mais abertos para lidar com o elefante na sala. Há dois anos, em Glasgow, os negociadores tiveram dificuldade em chegar a um acordo sobre a eliminação gradual e ininterrupta da energia a carvão. Há três anos, não diziam nada sobre combustíveis fósseis. As nossas expectativas são muito mais elevadas este ano – mas o cenário atual da mudança do clima mostra que elas realmente precisam ser altas. Precisamos acabar com nosso vício em combustíveis fósseis.”

A especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil, Camila Jardim, comenta que mesmo com falhas, a versão final é melhor que as anteriores, mas ressalta que ainda serão necessárias muitas ações que não foram anunciadas para seguir com o objetivo final: 

“Precisamos de metas mais robustas e mensuráveis quanto ao apoio à transição energética e à adaptação para países em desenvolvimento, especialmente com relação a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia (o que deverá ser debatido com mais detalhe na COP 29). Além disso, o texto apresenta como alternativas para essa transição falsas soluções que não têm comprovação de eficácia em larga escala, como soluções de geoengenharia e ‘combustíveis de transição’, o que pode ser uma desculpa para seguir utilizando o gás natural, um combustível fóssil menos intensivo em carbono que os demais”, afirmou Camila.

Seguindo a mesma linha de pensamento, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, ressaltou que o texto final é “forte nos sinais porém fraco na substância”. 

Foto: Divulgação

Ainda, para que os países cumpram suas metas do Acordo de Paris, será necessária a triplicação da capacidade de energias renováveis e a duplicação da melhoria da eficiência energética até 2030, em escala global, de acordo com o texto. 

 

Promessas e investimentos

Um ponto positivo da Conferência foi a rápida decisão pela operacionalização do fundo de perdas e danos, que totalizou US$ 700 milhões para ajudar financeiramente os países vulneráveis às mudanças climáticas. Foi o primeiro acordo de tamanha importância que se confirmou no primeiro dia do evento. 

Além disso, o Fundo Verde para o Clima (GCF) totalizou U$ 12,8 bilhões em doações de 31 países, seis durante a COP 28. O Fundo investe seus recursos em projetos e programas de baixa emissão e resilientes ao clima nos países em desenvolvimento.

Ainda, países como Estados Unidos e Canadá anunciaram planos para cortar suas emissões tanto nas indústrias quanto nos combustíveis. A vice -presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, revelou que o país vai investir aproximadamente U$ 1 trilhão no apoio a países em desenvolvimento se adaptarem às mudanças e em energia limpa. Já o Canadá, prometeu cortes de 35% a 38% de emissões na sua indústria a partir de 2030. 

Sendo o país com a segunda maior comitiva, atrás apenas do país sede, Emirados Árabes, o Brasil teve um importante papel nesta Conferência, de acordo com o presidente Lula: “Eu tenho dito que não existirá nenhum país do mundo em condições de oferecer ao planeta a quantidade e as variáveis de opção de energia limpa que o Brasil pode oferecer. É uma coisa impressionante. Nós achamos que é uma oportunidade que o Brasil está tendo no século 21 de fazer uma revolução econômica a partir da chamada bioeconomia, chamada da economia verde, a chamada renovação energética que o mundo está passando”, ressaltou o presidente. Outro fator a ser considerado é o fato do Brasil ser a sede da COP 30, no Pará, em 2025. 

As partes concordaram com o Azerbaijão como anfitrião da COP29 de 11 a 22 de novembro de 2024, e o Brasil como anfitrião da COP30 de 10 a 21 de novembro de 2025.

 

Brasil na COP

O Brasil recebeu a doação de  US$ 94 milhões, o que equivale a R$ 464 milhões da Noruega e do Reino Unido, para o Fundo Amazônia: “Este anúncio renova os compromissos da Noruega e é demonstração da confiança de que, com o governo Lula, retomamos o enfrentamento ao desmatamento, depois de quatro anos em que o Fundo Amazônia ficou paralisado”, ressaltou a diretora socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Tereza Campello.   

O fundo voltou a ser utilizado após quatro anos de paralisação devido a extinção dos comitês responsáveis pela gestão do fundo, durante o governo de Jair Bolsonaro.  Somando os recursos já ingressados, o Fundo Amazônia possui aproximadamente R$ 4 bilhões disponíveis para o apoio de novos projetos de desenvolvimento sustentável. 

Além disso, Brasil e Alemanha acordaram uma cooperação nas áreas de energia e inovação, como bioeconomia, saúde, ciência,meio ambiente e mudança do clima, agricultura, tecnologia e até combate à desinformação.

“Os nossos ministros assinaram mais de uma dúzia de declarações de intenção para dotar essa parceria de conteúdo. Isso passa por uma cooperação aprofundada nos setores de energias renováveis e hidrogênio. Nós associamos o potencial do Brasil ao interesse da Alemanha ao hidrogênio verde”, ressaltou o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz. 

O Plano de Transformação Ecológica foi apresentado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o intuito de receber investimentos para ações regular o mercado de carbono, a criação de núcleos de inovação tecnológica nas universidades, a ampliação de áreas de concessões florestais, a eletrificação de frotas de ônibus, o estímulo à reciclagem e obras públicas para reduzir riscos de desastres naturais. O custo é estimado entre US$ 130 bilhões e US$ 160 bilhões por ano. 

Ainda, o Governo propôs a criação de um fundo para manter as florestas tropicais em pé e conservadas a partir de investimentos de países com fundos soberanos e investidores. O aporte inicial estimado seria de U$250 bilhões: “Por que falamos de fundos soberanos? Mundialmente, os fundos soberanos detêm U$S 12 trilhões, sendo que os 13 maiores fundos estão com 8 países que detém US$ 8,8 trilhões. A gente sabe que a maior parte dos fundos soberanos foram capitalizados com a venda de petróleo e combustíveis fósseis”, relatou o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian.  

Segundo o Ministério do Meio Ambiente:  “A ideia fundamental é incentivar a conservação e desincentivar fortemente o desmatamento e a degradação florestal”. 

Durante a Conferência, também foi debatido o novo Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento, criado em maio deste ano. Com ele em vigor, será proibida no território que faz parte da União Europeia (UE), a entrada de itens associados a áreas de desmatamento identificadas até dezembro de 2020. Em carta conjunta do  Instituto Imaflora,  e das ONGs Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Climate Company, apresentaram três recomendações para que a nova regulamentação não ocasione uma exclusão exagerada de produtores, sem o devido impacto efetivo no desmatamento: 

  1. Reforço para a cooperação entre UE e  países não pertencentes ao grupo. 
  2. A visibilização do financiamento de transição para cadeias livres de desmatamento 
  3. O apoio ao desenvolvimento de  políticas nacionais de rastreabilidade em países não pertencentes à UE.

“Para que haja resultados positivos na cadeia produtiva como um todo, o financiamento, o diálogo e um sistema nacional de rastreabilidade são ferramentas essenciais”, afirmou em nota o Imaflora. 

 

Pontos críticos

Apesar dos acordos realizados para o avanço de ações sustentáveis, o governo também foi criticado por anunciar a entrada na Organização dos Países Produtores de Petróleo Plus (Opep+) e recebeu o prêmio sarcástico de “Fóssil do dia”, pela ONG Climate Action Network (CAN). 

Além disso, o país foi amplamente questionado por, logo após a COP 28, estar programado um leilão de novos blocos de petróleo pela ANP.  Este 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC), é considerado o pior de todos, segundo o  Instituto Internacional Arayara. De acordo com um estudo feito pelo instituto, mais de 94% dos blocos ofertados possuem ao menos um conflito com as Diretrizes Ambientais da própria agência ou com as políticas ambientais, como as Unidades de Conservação; Território Quilombolas; Terras Indígenas; sobreposição com ambientes recifais, manguezais e outras áreas prioritárias para a conservação. 

O estudo ainda estimou que as emissões potenciais desses blocos podem atingir o mesmo nível de emissões anuais do Brasil previstas para 2030, além disso, 28 terras indígenas e quilombolas serão atingidas pela exploração.

De acordo com o discurso final do Secretário-Executivo da ONU para Mudanças Climáticas, os países se comprometeram a entregar novas contribuições até o início de 2025: “Cada compromisso – sobre finanças, adaptação e mitigação – deve nos alinhar com um mundo de 1,5 grau”, comentou Simon Stiell. 

 

Texto atualizado em 14/12 com repercussões sobre o documento final da COP28