Dos muitos estudos sobre os impactos do aumento do nível do mar, existe um consenso entre especialistas: o Rio de Janeiro está ainda mais vulnerável às mudanças climáticas que os demais estados brasileiros. A topografia, além da ausência de relevantes fontes hídricas tornam a região mais propensa ao aumento do nível do mar, com inundações e ressacas perigosas, falta de água, deslizamentos e doenças ligadas ao calor extremo.

Rio de Janeiro, Niterói e o sul fluminense estão entre os maiores alvos do aumento do nível do mar. A capital carioca chegou a receber o título de cidade mais vulnerável às mudanças climáticas da América Latina, segundo avaliação da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas, que reúne 600 pesquisadores, entre eles, o núcleo latino-americano liderado pela Fiocruz e  Coppe-UFRJ.

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As praias do Rio e de Niterói  podem ter uma elevação de até 1,2 metros a partir de 2050 em um cenário intermediário (nem otimista nem pessimista), segundo pesquisadores  do Departamento de Análise Geoambiental da UFF. 

Já um  estudo da ONU recente calcula alta de aproximadamente 24 cm a partir de 2040, chegando a 65,6 cm no período entre 2080 e 2099.

A cidade de Santos (SP) e do Rio de Janeiro podem ter 5% de seu território submerso até 2050, de acordo com o relatório O impacto das mudanças climáticas nas inundações costeiras.

“As áreas mais sujeitas às inundações são as que ficam ao redor das lagoas costeiras, Lagoa Rodrigo de Freitas, Piratininga, Itaipu e as praias da Zona Sul, Botafogo e também a região da Ilha do Governador”, destaca a doutora em Oceanografia, Raquel Toste.

 

Foto: Google Maps

Pesquisadores ouvidos pela Agência Nossa apontam que, além das lagoas, bairros de planície como Icaraí, Flamengo e Botafogo também podem ser pontos de preocupação. A topografia rebaixada em várias praias da Baía de Guanabara, que dificulta a capacidade de drenagem, as tornam expostas a  inundações costeiras. A densidade populacional nestas áreas agravam o risco.

O aumento médio do nível do mar pode impactar cerca de  4,8 mil domicílios e gerar perdas no valor de R$ 4,8 bilhões em Niterói, no cenário intermediário do estudo Vulnerabilidades ambientais e cenários de elevação do nível médio do mar como consequência das mudanças climáticas, no município de Niterói, realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense.

“Quando a gente tiver maré alta e outros efeitos meteorológicos poderemos ter 14,5 mil pessoas afetadas na cidade”, afirmou em entrevista um dos autores do estudo, Rodrigo Amado.

Eles destacam o impacto do aquecimento global sobre o nível dos oceanos. “O calor está diretamente associado à elevação do nível do mar. Além do degelo das calotas polares, há principalmente o aquecimento das águas oceânicas, causando expansão térmica”, explica o professor do Departamento de Análise Geoambiental da UFF, Fabio Dias.

No estudo “Efeitos Da Subida Do Nível Do Mar Na Inundação Costeira Na Costa Leste Do Brasil Devido Às Mudanças Climáticas”, Raquel Toste estima aumento de 0,79 m do nível médio do mar no Rio e arredores até 2100, a partir de projeções globais de aquecimento. Mas pondera que a elevação deverá acontecer bem antes do final do século, considerando a rapidez da elevação da temperatura.

Além do impacto sobretudo nas faixas de areia, também pode ocorrer uma mudança nas taxas de precipitação, no clima de ondas, ventos e inundações e a mudança do ecossistema.

Manguezais

A vegetação no entorno dessas regiões também sofrerá mudanças, principalmente, os manguezais. Existem remanescentes de manguezal na Lagoa de itaipu, na Lagoa Rodrigo de Freitas (após replantio), na Ilha do Fundão e em outras regiões próximas à Baía de Guanabara e Baía de Sepetiba. Com as ressacas mais fortes e frequentes, essa espécie terá dificuldades de se manter neste ecossistema, com isso, devem realizar uma migração em direção ao continente, de acordo com Raquel Toste. Mas a pesquisadora alerta para os impactos dessa migração, levando em conta o papel de barreira natural que o manguezal exerce: 

“A possível diminuição desse tipo de ecossistema deve ser observada com cautela, já que os manguezais, além de aumentar a resiliência da zona costeira contra extremos climáticos, atuam como uma barreira biogeoquímica, atuando como um controlador de poluição em áreas costeiras”,  ressalta em seu estudo. 

Para a região oceânica, o estudo sobre Niterói, da UFF, estima 2,9 mil domicílios e 9 mil moradores afetados. Os pesquisadores destacam a necessidade de cuidado extra com Itaipu e Piratininga devido à proximidade que as instalações urbanas têm das lagoas e a pouca proteção vegetal.

Já Icaraí, além da maior frequência de ressacas na orla da praia, o Campo do São Bento pode sofrer mais com inundações do que as demais regiões. O aumento do nível do mar dificulta a drenagem da água de chuva, que se acumula em época de temporais. 

“Ali(Campo do São Bento) acumula mais água porque é uma região mais baixa. Enquanto tiver chuva, com o mar mais alto, a água pluvial demora mais a escoar”, afirmou o professor do Departamento de Análise Geoambiental e orientador do estudo, Fabio Ferreira. Ponta da Areia também é apontado como um dos bairros com mais propensão a inundações decorrentes à alta do nível do mar, mostram os pesquisadores.

Estratégias de adaptação

De acordo com o Secretário Municipal do Clima de Niterói, Luciano Paez,  existem duas estratégias principais para lidar com o aumento do nível do mar.

“A primeira é a restauração ecológica nas faixas de vegetação da orla, como, por exemplo, […] para a Restinga de Itacoatiara (já passou pelas praias de Camboinhas, Piratininga e também do Sossego) […] com isso, a gente protege o cordão arenoso (areia da praia) e reduz a erosão no processo”, afirmou  o Secretário Municipal do Clima de Niterói, Luciano Paez, em resposta à Agência Nossa. 

Além disso, o secretário cita a macrodrenagem, realizada nos últimos dez anos, para fazer o escoamento superficial das águas da chuva de uma forma mais efetiva“ A população sofria muito com alagamentos, a ponto de ficar 2 dias ou mais com áreas muito alagadas. Hoje, as chuvas fortes ainda existem, em especial no período de verão, mas cerca de 30 – 40 minutos depois, o escoamento é ajustado”, ressaltou Luciano. 

Para os pesquisadores Rodrigo e Fábio, outra boa forma de lidar com a erosão resultante do aumento do nível do mar é o engordamento das faixas de areia das praias. Neste método, é retirada areia do fundo do mar e adicionada na faixa da praia que sofre com as ressacas. De acordo com os pesquisadores, esse plano foi utilizado com sucesso na praia de Meaípe, no Espírito Santo, e no passado, foi a mesma ação realizada na praia de Copacabana.  

Praia de Copacabana antes do engordamento da faixa de areia. Foto: Acervo Nacional

Foto: Divulgação

Além disso, para evitar a saída da areia desses locais, novamente, eles apontam a utilização de diques na ponta da praia, diminuindo o fluxo das ondas. Já para evitar o alagamento de regiões próximas às lagoas, a utilização de comportas: “mas teria que ter uma operação inteligente dessa comporta. Deixar ela aberta a maior parte do tempo e quando o serviço meteorológico prever que haverá elevação do nível do mar severa, fecha a comporta”, relatou Rodrigo.

Impacto das inundações na saúde

A situação do Rio é agravada pela ocupação desordenada em encostas e pela falta de saneamento básico nas comunidades de baixa renda. A pesquisadora Marta Barata, da Fiocruz, em entrevista à Agência Nossa recomenda que os governos adotem políticas públicas para evitar impactos ainda maiores decorrentes das inundações.

“A explicação corrente sobre o efeito de enchentes e inundações na ocorrência de casos de leptospirose está relacionada à facilitação da dispersão de ratos, principais hospedeiros não humanos, e de sua urina contaminada pelas bactérias patogênicas”. Martha é autora do Mapa da Vulnerabilidade da População dos Municípios do Estado do Rio, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),  com projeções de impactos para 2040.

Municípios mais expostos ao risco climático

No estudo, ela calculou que os municípios mais vulneráveis ao risco climático são Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro, seguidos por Mesquita, Nilópolis e São João de Meriti. Já a população residente nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói, Angra dos Reis e Paraty são as mais vulneráveis à mudança climática. 

Os municípios mais vulneráveis aos riscos climáticos são os que têm maiores probabilidades de sofrerem com diversos efeitos climáticos indiretamente ligados às ocorrências climáticas. Já os mais vulneráveis às mudanças climáticas, tendem a sofrer os impactos no longo prazo de interferências no ecossistema, seja de forma natural ou humana. 

 Já como medidas da população, a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Núcleo de Educação Ambiental e Climática (NEAC),  curso de educação ambiental e climática para agentes públicos da prefeitura do Rio de Janeiro, Clélia Mello, ressalta a importância da educação ambiental como forma de adaptar as pessoas a um mundo mais sustentável: “Se a gente conseguir ter um núcleo de discussão de educação ambiental em cada escola, eu acho que isso vai potencializar muito essas questões de conferências e de um lugar de discussão”, relatou Clélia. 

Ela ainda citou um exemplo de ação de conscientização que colocaram em vigor na Ilha do Governador: “A gente visitou uma creche onde o lixo era depositado na porta deles, ao colocarmos faixas, o pessoal começou a pensar ‘Porque eu jogo lixo na porta da creche?’, e começou a diminuir e hoje não tem mais lixo na entrada da creche”, relatou a pesquisadora. 

Planos das prefeituras 

A prefeitura do Rio de Janeiro criou um plano com aspirações para a cidade nos próximos 30 anos, alinhada à agenda 2030 dos ODS e ao Acordo de Paris (PDS).

Dentre eles, o plantio de árvores, redução em 5% das emissões de gases de efeito estufa criação de 380 hectares de área de floresta, incluindo o adensamento de 4 grandes florestas na Zona Oeste. Implantação de 2 parques urbanos, sendo um na Zona Norte (Área de Planejamento 3) e outro na Zona Oeste, regiões com elevadas temperaturas.

A prefeitura de Niterói prevê a construção de micro parques e rotas caminháveis na cidade; reflorestamento de encostas e áreas estratégicas e aprimoramento do mapeamento e monitoramento de áreas de risco.