O Brasil já aprovou 505 pesticidas apenas neste ano. Entre 2019 e 2022, foram registrados 2181 novos agrotóxicos, média de 545 por ano, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária compilados pela Fundação Heinrich Böll, que realizou o estudo Atlas dos Agrotóxicos. Com a aprovação do PL do Veneno em novembro deste ano, a expectativa é que esse número cresça ainda mais. 

Entre outras alterações, o Projeto de Lei (PL) prevê a criação do “risco aceitável” para substâncias que atualmente tem registro proibido por terem impactos relacionados ao desenvolvimento de câncer, alterações hormonais, problemas reprodutivos ou danos genéticos.

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A publicação revela que desde 2016 o Brasil tem batido consecutivos recordes na série histórica de registro de agrotóxicos, que teve início em 2000. Em 2022, foram 652 agrotóxicos liberados, sendo 43 princípios ativos inéditos. 

Embora concorde que o processo de registros atual seja lento, Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos, acredita que o ideal, na verdade, seria haver mais participação do Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura para análises em vez de flexibilização da lei. “O primeiro ano do Lula causou um descontentamento grande. Esperávamos sinalização de maior preocupação”, avalia Tygel, um dos autores do “Atlas dos Agrotóxicos”.

Das 2,6 milhões de toneladas de agrotóxicos utilizadas ao ano no mundo, o Brasil emerge como um dos maiores consumidores desse mercado que movimentou quase 28 bilhões de euros, cerca de 101 bilhões de reais, apenas em 2020, de acordo com o Atlas dos Agrotóxicos. O estudo, coordenado pela Fundação Heinrich Böll Brasil, mostra que em 2021, o país se tornou o maior importador mundial dessas substâncias, com um salto de 384.501 toneladas em 2010 para 720.870 toneladas em 2021, portanto, um aumento de 87%.

Estimativas relacionadas aos impactos da intoxicação por agrotóxicos, com base em dados oficiais coletados entre 2007 e 2014, estimam possível ocorrência de 59,3 mil mortes em um total de 1,25 milhões de pessoas contaminadas. O número é obtido por meio de cálculos que consideram a subnotificação de registros. Pode-se gastar até R$ 150 por caso de intoxicação por agrotóxicos, o que pode ser estimado em um custo anual de R$ 45 milhões.   

25% dos alimentos vegetais carregam resíduos irregulares de agrotóxicos, diz Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelou na última quarta-feira (06) que um em cada quatro alimentos de origem vegetal no país contém resíduos de agrotóxicos, proibidos ou em níveis superiores ao permitido por lei. O levantamento faz parte de um estudo do Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos (PARA), vinculado à Anvisa, que analisou 1.772 amostras de 13 alimentos diferentes coletados em 79 municípios brasileiros em 2022. 

Foto: Divulgação

Os resultados mostraram que 41,1% das amostras analisadas no estudo não possuíam resíduos de agrotóxicos, enquanto 33,9% estavam dentro dos limites permitidos. Contudo, 25% apresentaram inconformidades, como a presença de agrotóxicos não autorizados ou em quantidades excessivas. Mais grave ainda, três amostras apresentaram risco agudo, que, segundo a Anvisa, representa dano à saúde ao ingerir muito alimento com esses insumos em pouco tempo, como numa refeição. 

Saúde pública

O crescimento no uso de agrotóxicos no Brasil coloca o país em uma posição sensível no que diz respeito à segurança alimentar e à saúde pública. A partir de dados da própria Anvisa, o Atlas levantou que entre 2010 e 2019 foram registrados 56.870 casos de intoxicações por agrotóxicos, o que representa uma média de 5.687 casos por ano, ou aproximadamente 15 pessoas intoxicadas diariamente. Entretanto, o próprio Ministério da Saúde do Brasil admite que o número de subnotificações é elevado e que, logo, o número real de pessoas intoxicadas pode ser maior.

Este impacto se dá, também, na saúde de crianças e adolescentes. Cerca de 15% de todas as vítimas de intoxicação por agrotóxicos no Brasil pertencem a esse grupo etário. Já entre os bebês, foram 542 intoxicados no período de 2010 a 2019. Além disso, as gestantes também sofreram com esse cenário, com 293 delas intoxicadas no mesmo período. Com efeitos que se estendem além do próprio corpo, a situação pode afetar a saúde de seus bebês por meio do leite materno e até mesmo antes do nascimento.
 

O documento aponta ainda para uma correlação entre a exposição prolongada aos agrotóxicos e o aumento da incidência de doenças crônicas. As evidências indicam uma alta taxa de desenvolvimento de doenças como Parkinson, leucemia infantil, câncer de fígado e de mama, diabetes tipo 2, asma, alergias, obesidade e distúrbios endócrinos.

No curto prazo, a exposição aguda a esses insumos está ligada a uma série de sintomas debilitantes, como fadiga extrema, apatia, dores de cabeça intensas e dor nos membros. Em situações críticas, há o risco de falha de órgãos vitais, incluindo coração, pulmões e rins. Aproximadamente 11 mil pessoas morrem anualmente em todo o mundo devido a envenenamentos não intencionais por agrotóxicos.
 

O Atlas mostra que, no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode gastar até 150 reais por caso de intoxicação por agrotóxicos, totalizando um custo estimado anual de R$ 45 milhões. Estudos compilados na publicação, mostram um mau negócio a partir do uso excessivo desses defensivos agrícolas. O custo para o SUS pode chegar a US$ 1,28 para cada US$ 1 investido em pesticidas, a depender do tratamento.

Com a aprovação do PL 1459/2022, conhecido como PL do Veneno, as mudanças propostas oficializam a prioridade do Ministério da Agricultura no registro de novos agrotóxicos: o ministério passaria a ser o único órgão registrante dos agrotóxicos, restando ao Ibama e à Anvisa, um papel subordinado de avaliação ou homologação das avaliações.


Agrotóxicos no mundo

A exposição a esse risco não se restringe ao Brasil. Atualmente, estima-se que ocorram cerca de 385 milhões de casos de intoxicações agudas por agrotóxicos a cada ano em todo o mundo; em 1990, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número total de intoxicações era de 25 milhões. A escalada desses números ao longo dos anos pode ser atribuída ao uso intensificado de agrotóxicos em escala global. Hoje, 11 mil pessoas morrem anualmente em todo o mundo devido a envenenamentos não intencionais.

Desde 1990, a quantidade mundial de agrotóxicos utilizados aumentou em quase 62%, com crescimento expressivos em regiões específicas: 484% na América do Sul e 97% na Ásia. Essa aceleração no uso de agrotóxicos é particularmente preocupante em regiões do Sul Global, onde as regulamentações ambientais, de saúde e segurança são muitas vezes mais fracas.