A falta de ações da iniciativa privada para ajudar a combater o crescente aumento no número de pessoas em situação de rua levanta uma questão relevante sobre o comprometimento das empresas no Brasil com o ODS número 1, que visa à erradicação da pobreza, e o ODS número 10, que busca combater a desigualdade. A ausência de ações nesse sentido pode ser vista como uma contradição quando se considera o interesse das empresas em adotar práticas ESG em seus negócios.

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Um levantamento da Agência Nossa junto a 18 empresas bem ranqueadas em indicadores e selos ESG mostra que apenas três delas respondem com ações de apoio aos chamados invisíveis, ainda que indiretamente. Natura, Vivo e eureciclo retornaram aos nossos e-mails com algumas de suas ações na área de reciclagem. 

Além do viés da reciclagem, buscamos, neste levantamento, relacionar a questão das PSR a iniciativas de combate à fome. Não encontramos muitas ações significativas entre as empresas ESG nessa frente ao pesquisarmos relatórios de sustentabilidade deste universo de companhias bem posicionadas. De robusto, encontramos o Movimento Todos à Mesa, que atuou principalmente na ocasião da pandemia.

São apoiadores do movimento as empresas Aflorar, Assaí Atacadista, Bauducco, Camil, Carrefour, Connecting Food, Danone, D’Maria, DPA Brasil, Facily, Frexco, GPA, Grupo Bimbo, iFood, Kraft Heinz, Lopes Supermercados, M. Dias Branco, Mondelez, Nestlé, Nutriens, PepsiCo, Supermercado Nordestão e Yara.

Trabalhadores atuando na reciclagem de materiais descartados / Foto: Divulgação (eureciclo)

Em entrevista à Agência Nossa, o diretor do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), responsável pela Secretaria Nacional de Assistência Social, Regis Spíndola, afirma que o setor privado também tem compromisso com o bem-estar social.

“É fundamental também que seja uma política das empresas, que pode ser tanto na perspectiva de criar postos de trabalho para pessoas que vivem nas ruas, criando e gerando possibilidades de participação dos seus processos seletivos, atuando nesse apoio de promover a entrada no mercado de trabalho, como a de contribuir contra a aparofobia que temos vivenciado e contra outras práticas discriminatórias com a população em situação de rua, ajudando a eliminar práticas preconceituosas”.

Para a defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Cristiane Xavier, as empresas precisam agregar valores às suas marcas e nomes, pois o conceito de ESG, lembra ela, ganha também benefícios tributários.

“Tentamos trazer para esse campo a população em situação de rua, para que empresas também sejam motivadas a fomentar projetos e programas que já existem nesse viés, e não só assistencial, porque não é isso que a gente defende. Defendemos fomento, crescimento, autonomia e independência dessas pessoas que hoje se encontram circunstancialmente na rua”, afirmou a defensora.

Veja algumas iniciativas de empresas que contribuem para melhorar a qualidade de vida das populações vulneráveis e sem lar:

eureciclo

No âmbito da promoção das taxas de reciclagem e da melhoria da qualidade de vida dos recicladores, destaca-se o programa RedeTransforma, uma colaboração entre a eureciclo e a Rede Sul, uma rede de cooperativas de catadores de resíduos. 

Trabalhadores atuando na reciclagem de materiais descartados / Foto: Divulgação (eureciclo)

O programa, de acordo com a gerente de operações na eureciclo, Allana Cardoso Bittencourt, busca capacitar e valorizar os catadores, garantindo condições dignas de trabalho e remuneração justa.

Com quatro pilares fundamentais, incluindo inclusão social, valorização profissional, pagamento equitativo e rastreabilidade, o RedeTransforma é liderado por Telines Basilio, um ex-catador que se tornou uma figura de destaque na defesa dos direitos dos catadores. 

Além disso, o programa visa eliminar o trabalho de tração humana por meio de carroças, ao mesmo tempo que assegura um pagamento justo pelos serviços de logística reversa, contribuindo para uma inclusão socioeconômica efetiva.

Com 90 catadores participantes e uma coleta de mais de 530 toneladas de resíduos, o programa já investiu mais de R$ 790 mil na compra de materiais dos catadores. Além disso, registrou um aumento significativo na retirada média mensal dos catadores, demonstrando o potencial econômico da reciclagem para impulsionar a arrecadação e o bem-estar dos municípios. 

O RedeTransforma também tem planos ambiciosos, com o objetivo de atender 3.000 catadores até 2028, adquirindo novos equipamentos para otimizar o processo de triagem e promovendo a capacitação por meio da Bolsa Catador, oferecendo cursos de alfabetização, economia circular, inclusão digital e educação financeira.

Natura

Entre as empresas mais sustentáveis no ISE, a Natura&Co se destaca como uma organização que potencialmente pode desempenhar um papel significativo na abordagem do impacto da reciclagem na vida dos moradores de rua.

Sede da empresa Natura / Foto: Divulgação (Natura)

O Natura Elos, como parte do programa Compromisso com a Vida, dobrou o número de cooperativas envolvidas no último ano apurado, para 47 unidade, abrangendo 2.039 catadores. 

O programa oferece oportunidades de emprego e geração de renda para os catadores e cria um ambiente de trabalho mais estável e seguro em comparação com a coleta de materiais nas ruas. Desde 2018, o programa liderou a recuperação de mais de 50 mil toneladas de materiais que foram incorporados com sucesso nas embalagens e materiais de suporte, estendendo esse impacto positivo para a Avon a partir de 2022. 

O programa, que completou cinco anos em 2022, estabelece uma responsabilidade compartilhada entre as empresas e cooperativas, recicladores e fabricantes, movimentando a economia da reciclagem. “Essa iniciativa é uma parte vital da cadeia de reciclagem, assegurando a rastreabilidade, a homologação e a logística reversa de materiais reciclados”.

“É importante ressaltar a parceria entre o Programa Natura Elos, o Instituto Recicleiros e a beneficiadora Massfix, que possibilitou a viabilização do fornecimento de vidro reciclado proveniente de regiões remotas do Brasil, também mencionado em seu Relatório Integrado”. 

O Instituto Recicleiros atua como agente integrador entre prefeituras, empresas e catadores, capacitando e promovendo a emancipação sustentável de cooperativas de catadores. Por sua vez, a Massfix é uma líder na reciclagem de vidro na América Latina, reciclando diversos tipos de resíduos de vidro. 

Vivo

Já a Vivo utiliza desde 2019 o sistema global de Gestão de Resíduos Sólidos da Telefônica (GReTel) que auxilia a gerenciar o fluxo de geração, transporte e destinação dos resíduos. 

De acordo com o relatório de sustentabilidade da telefônica, esse sistema promove a rastreabilidade e o controle da cadeia de fornecedores, em que eles asseguram se o processo foi realizado de acordo com as normas brasileiras, o que pode garantir que os catadores estejam envolvidos em práticas de reciclagem mais seguras e saudáveis.

Movimento Todos à Mesa

Surgiu como a primeira coalizão brasileira de empresas e organizações dedicadas a combater a fome no país e reduzir o desperdício de alimentos. O movimento foi criado como uma resposta à crescente necessidade de apoio durante a pandemia de COVID-19 e recebeu uma colaboração notável de empresas como iFood, Coca-Cola Brasil, Copagaz, Unilever e Mastercard. 

A iniciativa visa atender às populações vulneráveis, alimentando aqueles em situação de rua e incentivando pequenos e médios restaurantes por meio de vouchers.

As empresas que integram o movimento de acordo com o site do próprio são: Aflorar, Assaí Atacadista, Bauducco, Camil, Carrefour, Connecting Food, Danone, D’Maria, DPA Brasil, Facily, Frexco, GPA, Grupo Bimbo, iFood, Kraft Heinz, Lopes Supermercados, M. Dias Branco, Mondelez, Nestlé, Nutriens, PepsiCo, Supermercado Nordestão e Yara.

À medida que as empresas continuam a adotar práticas ESG e buscam agregar valores à sua marca, é fundamental que também considerem estratégias que possam promover o crescimento, a autonomia e a independência dessas pessoas em situação de vulnerabilidade. O desafio reside em consolidar essas ações de maneira mais direta, ampla e abrangente para contribuir efetivamente para a erradicação da pobreza e a redução da desigualdade, conforme preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.