Menina dos olhos do presidente Lula, a transposição do Rio São Francisco foi iniciada e turbinada nos governos petistas, mas também quase no final abraçada na gestão de Bolsonaro. As obras levam água para cerca de 12 milhões de pessoas que vivem em 390 municípios do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
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Enquanto o conjunto de obras no Nordeste concentrou as atenções e os investimentos em abastecimento de água nos últimos anos, o Plano Nacional de Segurança Hídrica, lançado em 2019, ficou menor. Apesar dos riscos crescentes de abastecimento de água e a aceleração inesperada das mudanças climáticas, o total de projetos contemplados inicialmente diminuiu.
Levantamento da Agência Nossa concluiu que pelo menos nove estados reduziram o total de projetos inicialmente contemplados no plano, segundo o último boletim de acompanhamento do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). Não são projetos que já foram executados, mas sim excluídos do plano.
“A carteira de empreendimentos do PNSH é elaborada conforme demandas apresentadas pelos estados durante a construção do Plano e suas revisões. Quaisquer alterações de obras que não foram iniciadas e retiradas do Plano, devem ser verificadas com os estados”, afirmou à Agência Nossa Erik Parente, gerente de Projetos da Secretaria Nacional de Segurança Hídrica, do MDR ao ser indagado sobre a redução de projetos no estado do Rio.
Além do Rio, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Sergipe, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco apresentam menos projetos de obras para segurança hídrica. Os dois últimos estados nordestinos são, entretanto, os que mais possuem obras em andamento ou planejadas para segurança hídrica.
São Paulo e Piauí, por outro lado, aumentaram a carteira de projetos do Plano Nacional de Segurança Hídrica.
Elaborado em parceria com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em 2019, o plano totalizou inicialmente 166 intervenções recomendadas (obras, projetos e estudos), das quais 99 habilitadas para execução até 2035. Eram 95 intervenções para oferta de água (70 são sistemas adutores, 9 eixos/canais e 16 são barragens) e 4 barragens para controle de cheias.
No último monitoramento, ao menos 25 projetos não constam mais do plano, segundo apurou esta reportagem. Dois por cento dos empreendimentos habilitados no PNSH estavam concluídos, 48% em obras, 3% em licitação de obras, 17% estão com seus projetos concluídos, 2% com os projetos em elaboração e 21% se encontram em fase de planejamento.
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o Plano de 2019 trazia sete projetos, dois a mais que a última edição do documento. Deixaram de fazer parte do PNSH a Barragem de Itaperuna e de Laje do Muriaé, que prevê ainda um novo esquema para o eixo de transposição do Rio Paraíba do Sul para o Rio Guandu além de outras duas barragens, do Rio Preto e do Rio Tanguá.
Em resposta da assessoria de imprensa da secretaria de Meio Ambiente do governo do estado, o Inea afirma que prevê também, o Sistema Adutor Tanguá-Maricá e o Desvio dos Rios Poços, Queimados e Ipiranga.
O PSH totaliza o valor de R$ 27,58 bilhões em intervenções recomendadas (obras, projetos e estudos) e em média R$ 1,2 bilhão/ano em operação e manutenção (O&M). No último ano informado, em 2021, o governo federal desembolsou R$ 906,70 para execução de obras.
Segurança hídrica
O PNSH aborda a segurança hídrica em quatro dimensões — humana, econômica, ecossistêmica e de resiliência, segundo Erik parente —, que foram consideradas e combinadas para formar o Índice de Segurança Hídrica (ISH). O índice considera o grau de risco de escassez de água em 2035, considerando apenas a infraestrutura hídrica atualmente em operação, sem a adoção de novas intervenções e medidas de gestão de recursos hídricos.
As regiões mais críticas são os estados da Região Nordeste, principalmente por conta dos períodos frequentes de estiagem, Minas Gerais, o extremo sul do Rio Grande do Sul e o Leste Fluminense do Rio de Janeiro.
No Leste Fluminense do Rio, nos últimos anos a região enfrenta crises de abastecimento com o Sistema Imunana-Laranjal, insuficiente para atender as populações de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Ilha de Paquetá e Maricá.
A tendência é a situação se tornar cada vez mais crítica com o aumento populacional. Enquanto isso, o projeto da barragem do Guapiaçu, principal proposta para suprir o abastecimento da região, esbarra no custo das obras, estimado em R$ 280 milhões no PNSH de 2019, e no impacto nos produtores rurais de Cachoeiras de Macacu — para a conclusão da obra, uma área de mais de 2 mil hectares precisaria ser alagada.
À Agência Nossa, Luiz Firmino Pereira, membro do Comitê da Baía de Guanabara e pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas, explicou que o responsável maior pela obra é o estado do Rio, já que a CEDAE, mesmo após a concessão e repartição entre as empresas Águas do Rio (Blocos 1 e 4), Iguá Saneamento (Bloco 2) e Águas do Brasil (Bloco 3), permanece como responsável pela captação, tratamento e entrega da água às concessionárias para distribuição.
“Pensando nisso, foi incluído no edital de concessão a obrigação de que o vencedor do Bloco Leste Fluminense tivesse que investir na solução do problema de abastecimento, a ser apontada pelo Estado.
A CEDAE foi dividida em 4 blocos: o primeiro, que tem os municípios de São Gonçalo, Itaboraí e Maricá ficou com a Águas do Rio. A concessionária de Niterói é a Águas de Niterói. As duas fazem parte do grupo Águas do Brasil.
Além disso, existe um Termo de Ajuste de Conduta da Petrobrás com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), onde a empresa é obrigada a investir R$ 70 milhões na solução do abastecimento de água na região”, explica. “Cabe ao estado definir, e pode contar com esses dois recursos para as obras. Apenas ainda não está certo que seria um reservatório, como a barragem do Guapiaçu”, conclui.
Os avanços
Para o representante do MDR, houve avanço na segurança hídrica do País após o lançamento do plano, principalmente no Nordeste, devido às obras da transposição do Rio São Francisco.
Nos primeiros três anos de plano, foram concluídos obras de vários sistemas adutores: Marabá e São Francisco (3ª Fase-Ampliação), assim como Juazeiro-Senhor; Imunana-Laranjal RJ; Porto Alegre (Novo Manancial), Alvorada-Viamão (Ampliação) e Sarapuí-Sorocaba-Salto-Reservatório Piraí-Indaiatuba, Sistema Adutor de Ribeirão Preto, em São Paulo. Outras adutoras: Congonhas-Montes Claros, Tramo Sul (Ampliação do Sistema Jucazinho), Engenho Maranhão-ETA Suape; Engenho Maranhão-ETA Pirapama e Sistema Adutor Tracunhaém-EE, em Pernambuco.
O Ramal do Agreste Pernambucano, fundamental para a alimentação e operacionalização do Sistema Adutor do Agreste, também teve as obras físicas concluídas. Assim como o Eixão das Águas (Duplicação), Barragem Engenho Maranhão, na Paraíba e barragem Tracunhaém e Duas Pontes.
Matéria atualizada em 27/03 com resposta do Inea e para deixar claro que o Rio não incorporou dois projetos previstos no plano inicial, mas preservando outros cinco.