O governo federal deve participar nos próximos dias do acordo que prevê o pagamento de R$ 170 bilhões por mineradoras envolvidas no desastre de Mariana. O pacto foi anunciado na semana passada, às vésperas de começar na Inglaterra um super julgamento sobre o mesmo caso.

Após 9 anos do rompimento da barragem de Fundão, a Justiça britânica define se a mineradora anglo-australiana BHP Billiton é responsável pela tragédia. O julgamento começou nesta segunda-feira e deve acabar apenas em 5 de março do ano que vem. 

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A barragem pertencia à Samarco, uma joint-venture entre a anglo-australiana e a Vale. A mineradora brasileira firmou acordo no qual se compromete com a BHP a dividir os prejuízos caso a empresa seja considerada culpada na Inglaterra. O mesmo compromisso assumiu a BHP caso a Vale seja considerada culpada na Holanda, onde outro processo está em andamento.

Advogados que defendem as vítimas do desastre ambiental na Inglaterra afirmam que o julgamento segue normalmente a despeito do acordo no Brasil. E que a maior parte dos recursos anunciados no acordo se refere a verbas que serão utilizadas por estados e governo federal, não se tratando de compensações diretas aos indivíduos e comunidades afetadas.  

“Nossos clientes não foram incluídos ou consultados em nenhum momento durante o processo de repactuação no Brasil, que vem sendo conduzido a portas fechadas e sob confidencialidade desde o início. A proposta anunciada pela BHP, portanto, não reflete a realidade das perdas sofridas pelos clientes da ação inglesa”.

Veja a entrevista para a Agência Nossa do sócio-fundador do escritório que processa multinacionais no exterior por desastres ambientais

Ainda segundo o escritório de advocacia Pogust Goodhead (PG), responsável pela ação coletiva gigantesca, “a forma em que os termos foram anunciados demonstram apenas uma tentativa desesperada da BHP de não responder em tribunal pelos atos que levaram ao rompimento da barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015 (…) só prova que as empresas responsáveis pelo maior desastre ambiental do Brasil estão determinadas a fazer tudo o que puderem para impedir que as vítimas busquem justiça e estão dispostas a perpetuar o comportamento vergonhoso que demonstraram nos últimos 9 anos”.

Nessa fase do processo, ainda não há definição de valores de indenizações, o que só deve ocorrer posteriormente, caso a BHP seja responsabilizada, mas a equipe do PG estima que os valores a serem pagos às vítimas do rompimento girem em torno de R$ 230 bilhões.

A lama de rejeitos liberada pelo rompimento da barragem afetou pelo menos 45 municípios, ao longo de quase 700 quilômetros da bacia do Rio Doce, que deságua no estado do Espírito Santo. 

Câncer, infartos e transtornos mentais

Estudo FGV divulgado recentemente concluiu que o rompimento da Barragem de Fundão afetou a saúde e a qualidade de vida dos moradores dos 45 municípios atingidos, resultando na perda, em média, de 2,39 anos de vida para cada indivíduo nos territórios afetados. 

O desastre liberou no meio ambiente mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração com compostos persistentes na natureza, já que não são decompostos por microrganismos. “Isso leva a acumulação em diversos órgãos e tecidos da cadeia alimentar, inclusive das pessoas expostas metais pesados”, inclusive mercúrio e chumbo”.

O estudo mostra aumento de 40% dos casos de tumores na população exposta; 30% de doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; 27% em transtornos mentais; doenças do sistema nervoso com incidência de 1.8 a 84 vezes mais nos municípios atingidos, além de aumento de 68% de doenças do sistema circulatório e cardíacas e de 160 vezes doenças do sistema respiratório.

O rompimento da Barragem de Fundão é considerado o maior desastre socioambiental do Brasil em função da magnitude, multidimensionalidade e tempo de duração da destruição e consequências causadas aos ecossistemas e populações atingidas em diversos municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo”, diz o Projeto Rio Doce, realizado com base em dados de até 2021 do DATASUS, do Ministério da Saúde.

A análise comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios atingidos com as de áreas não afetadas e mostra, ainda, que o desastre levou os habitantes dos municípios atingidos à exposição a efeitos ambientais, sociais e econômicos, assim como ao contato potencial com uma série de substâncias tóxicas provenientes dos rejeitos de mineração.

Com informações da Agência Brasil e da Reuters

Atualizada em 24/10 ampliando e corrigindo o link para a entrevista com o sócio-fundador Pedro Martins (a frase antes afirmava que o escritório estava processando a Vale)