A Petrobras estuda erguer mais uma planta industrial no Complexo Boaventura, nome dado ao original Comperj, em Itaboraí. A ideia é aproveitar metade do etano que será naturalmente produzido no processamento de gás natural para produzir ácido acético, que atualmente o Brasil não produz; importa 100%.
A outra metade do etano será fornecida à planta da Braskem em Duque de Caxias. A unidade nova ainda está no campo das ideias; não existe ainda uma avaliação formal nem aprovação da diretoria para o empreendimento, tão pouco um pedido de licenciamento ambiental. Também fala-se entre os diretores da empresa a construção de unidade de biorrefino no polo do Leste Fluminense.
Do ponto vista econômico faz sentido para a Petrobras construir uma planta de ácido acético.
Mas uma série de falhas, descumprimentos e impactos desconsiderados pelo licenciamento e trazidos à tona pelo Ministério Público Federal não condizem com mais uma unidade produtora de substância química no local. Em jogo, o abastecimento de água para 2,5 milhões de pessoas e 3 APAs (áreas de proteção ambiental).
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Para conseguir a licença, a Petrobras chegou a pagar ao governo do estado do Rio pelas medidas mitigatórias, mas não foram implementadas.
A Ação Civil Pública que critica a licença de operação concedida no ano passado pelo Inea também questiona por que o órgão ambiental federal não foi ouvido no processo de licenciamento.
“Se um empreendimento de grande porte como este impacta unidades de conservação federais, por que o licenciamento foi agora conduzido na esfera estadual, desconsiderando, mais uma vez, os impactos federais desde a origem?”.
O primeiro licenciamento ambiental foi concedido em 2007, quando a Superintendência do IBAMA/RJ analisou os seus EIA/RIMA e foram destacados os impactos sobre as unidades de conservação federais: Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), APA Guapi-Mirim, ESEC da Guanabara e APA Petrópolis. A magnitude exigia medidas robustas: apoio à manutenção das unidades de proteção integral, autorização dos órgãos e a implementação de rigorosas medidas mitigadoras.

Comperj, rebatizado de Gaslub, rebatizado de Complexo Boaventura. Foto: divulgação Petrobras
“Desde o começo das discussões para a implementação do Comperj foi avisado que aquela região não era adequada, em meio a rios que abastecem mais de 2 milhões de pessoas e do impacto em áreas de proteção ambiental Tentamos levar o Comperj para outro local, mas não adiantou”, afirmou o superintendente do Ibama no Rio, Rogério Rocco, em evento ocorrido na sede do órgão na ocasião em que o Inea concedeu a licença de operação do empreendimento.
Um Grupo de Trabalho foi constituído para avaliar os impactos, culminando em documento que revelou diversas falhas e impactos desconsiderados pelo licenciamento pela sede estadual. O EIA indicava que o empreendimento afetaria diretamente os manguezais da APA de Guapi-Mirim e da Estação Ecológica da Guanabara, o que demandava a atuação direta do IBAMA e do ICMBio em defesa desses ecossistemas frágeis e vitais.
Foram apontados pontos inconsistentes, como os que envolviam a captação de água, a descarga subterrânea e de efluentes, a vazão ecológica, a deposição atmosférica e o aumento da demanda operacional das unidades de conservação.
“Apesar das advertências, o EIA foi aprovado pelas instâncias estaduais, ignorando os alertas, pois havia uma decisão de governo para a implantação do empreendimento em Itaboraí”.
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Para minimizar os impactos, o Ibama permitiu a continuidade do licenciamento ambiental na localização original, mas impondo uma série de condicionantes e medidas mitigadoras, que somente foram incorporadas após intensa resistência.
Com a Operação Lava Jato, o Comperj foi suspenso e, anos depois, ressuscitado em versão bem menor e diferente do original. Não se trataria mais de um complexo petroquímico, mas de um polo de processamento de gás natural com térmicas. O Pólo Gaslub. A UTE Gaslub I prevê uma potência instalada de 1.200 megawatts (MW), enquanto a UTE Gaslub II contará com 600 MW, exigindo ainda a instalação de uma subestação elevadora (345 kV) e de Linhas de Transmissão (345 kV).
Na ação, o MPF avalia que o licenciamento seguiu uma estratégia de fracionamento do empreendimento em partes menores, “o que parece ter como objetivo não apenas diluir a associação da sua imagem ao seu DNA original, mas também minimizar a percepção de seu impacto ambiental, facilitando e acelerando o processo de licenciamento”. O empreendimento utilizaria a mesma base territorial efetivada para o COMPERJ, que foi criada, preparada e utilizada sem que as medidas mitigadoras da afetação federal, como aquelas sobre as unidades de conservação, fossem implantadas.