A Justiça Federal aceitou pedido do Ministério Público Federal e determinou a interrupção da emissão de licenças ambientais para o Complexo de Energias Boaventura, chamado originalmente de Comperj. A decisão coloca em compasso de espera processo de licenciamento da planta de biorrefino e da usina solar previstos para integrar o complexo industrial.

Localizado em Itaboraí, o empreendimento da Petrobras, contudo, já conseguiu ao menos 13 licenças considerando as de operação; prévia; de instalação e pré-operação. O polo, que também já se chamou Gaslub, obteve em junho licença integrada para uma unidade de lubrificantes. E outras licenças para operar a unidade de processamento de gás natural; dutos e emissário submarino para lançamento de rejeitos na praia de Itaipuaçu em Maricá, cidade vizinha.

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O MPF ajuizou no começo do ano ação civil pública contra os órgãos ambientais estadual e federal sustentando que o Inea, em decorrência de delegação de competência do IBAMA, desconsiderou ou modificou unilateralmente condicionantes ambientais federais originais, definidas na ocasião de licenças ambientais.

Além disso, segundo o MPF, o Inea teria desconsiderado, ao conceder licenças mais recentes, a persistência na contaminação nas águas subterrâneas do empreendimento.

As condicionantes ambientais impostas na época do licenciamento ambiental do empreendimento visam resguardar os atributos ambientais das Unidades de Conservação Ambientais Federais, APA de Guapi-Mirim e ESEC da Guanabara, bem como a o manancial de água responsável pelo abastecimento público de mais de 2 milhões pessoas.

A Petrobras, em nota à imprensa, informa que “cumpre rigorosamente todas as condicionantes ambientais estabelecidas nas licenças concedidas pelo órgão ambiental competente” e confirma que os efeitos da decisão judicial em referência, que trata de procedimentos de licenciamento ambiental, impactam a companhia, pois podem repercutir sobre o licenciamento de empreendimentos futuros do Complexo de Energias Boaventura”.

APA de Guapimirim. Foto: Prefeitura de Guapimirim

O pedido de tutela provisória de urgência foi indeferido na época, mas agora a Justiça Federal atendeu parcialmente à ação do MPF, determinando a volta dos órgãos ambientais nos processos de licenciamento e a suspensão de novas licenças até que sejam cumpridas as condicionantes originais para as licenças.

Entre as principais condicionantes, a restauração e manutenção das faixas marginais das subbacias hidrográficas do Caceribu e Macacu, rios que abastecem as cidades de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, parte de Maricá e Ilha do Governador. 

“Apesar do empreedimento ter modificado de forma importante o uso da solo da região com a terraplanagem de mais de 2 mil ha e construção de plantas industriais, tendo inaugurado recentemente sua primeira planta de produção de processamento de gás natural, as obrigações impostas de reflorestamento da Bacia Hidrográfica na escala de 5 mil hectares nunca foram cumpridas. Esperamos que essa decisão judicial inaugure um novo momento para a solução deste passivo ambiental, com grandes reflexos na saúde da Baía de Guanabara, seus manguezais e abastecimento público para a população do Leste Fluminense”, afirma o ICMBio, responsável pelas APAs, em nota.

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Em abril de 2024, a Cedae teve de interromper o fornecimento de água para Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, parte de Maricá e Ilha de Paquetá porque verificou níveis de tolueno acima dos toleráveis para sáude humana. O tolueno é uma substância que pode ser encontrada no petróleo e também em outras derivações de processos industriais. 

“Acrescento a isso a notícia trazida pelo MPF na petição inicial, com indicação das fontes, no sentido de que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) detectou vazamento de tolueno no rio Guapiaçu, que causou, em abril de 2024, a interrupção da captação de água do Sistema Imunana-Laranjal para evitar que a água contaminada fosse consumida”, cita a sentença. “A concentração de tolueno, nas proximidades de um oleoduto desativado e sem autoria imputável indefinida, mas com foco originário no território da região do Polo GasLub, alcançou 59 microgramas por litro, quase o dobro do valor máximo permitido (30 microgramas por litro), acrescenta a Justiça Federal, sobre o caso que, ao menos formalmente, não foi esclarecido pelas autoridades.

A sentença cita nota técnica da superintendência do Rio do Ibama, que menciona “perdas e danos ambientais difusos resultantes do extenso lapso temporal de mais de 15 anos de descumprimento das obrigações de restauração florestal da região, o que agravou resultados negativos como a trágica de agua de mais de 2 milhões de pessoas pela contaminação do sistema Imunana-Laranjal”.

Divulgação Petrobras

A Justiça lembra que os estudos de impacto ambiental que basearam as licenças originais do Comperj consideram diretamente  a Área Diretamente Afetada – ADA,  os manguezais da Área de Preservação Ambiental – APA de Guapi-Mirim e da Estação Ecológica – ESEC Guanabara. O licenciamento de tal empreendimento somente poderia ser concedido após autorização do responsável pela administração de tais unidades de conservação. Tal autorização foi dada pelo IBAMA/ICMBio, prevendo algumas condicionantes incorporadas à Licença Prévia da viabilidade locacional e ambiental do COMPERJ, concedida pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), posteriormente sucedida pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA).

Além das obrigações de reflorestamento, as restrições para o uso da área de transição entre o empreendimento e a APA de Guapi-Mirim ou ESEC da Guanabara, caberia à Petrobrás a incorporação desta área verde, seguida da recuperação e manutenção integral de suas características naturais, de modo a evitar processos de ocupação desordenada e assegurando a manutenção dos processos hidrológicos. A incorporação da área, bem como a restauração, deveria ser concluída antes da concessão da Licença de Operação, o que não ocorreu.

“É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, na qualidade de bens de uso comum do povo, marcado pela imprescritibilidade e inalienabilidade. Logo, o resultado de aterro, drenagem e despoluição ilegal do manguezal”, afirma a sentença.

A íntegra da nota da Petrobras:

“A Petrobras informa que não é parte na ação civil pública mencionada pela imprensa, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Apesar de não integrar o processo, os efeitos da decisão judicial em referência, que trata de procedimentos de licenciamento ambiental, impactam a Companhia, pois podem repercutir sobre o licenciamento de empreendimentos futuros do Complexo de Energias Boaventura.
 
A Petrobras reafirma que cumpre rigorosamente todas as condicionantes ambientais estabelecidas nas licenças concedidas pelo órgão ambiental competente.
 
A Companhia mantém-se sempre disponível ao diálogo com as autoridades ambientais e com o Ministério Público e reforça seu compromisso com a transparência, com a proteção ambiental e com a segurança das comunidades do entorno.
 
Seguiremos acompanhando o tema e permanecemos à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos adicionais no âmbito de suas atribuições”.

Entenda o histórico segundo a sentença judicial

O Comperj teve seu processo de licenciamento iniciado em 2008 e o o estudo de impacto ambiental considera como área diretamente afetada os manguezais da APA de guapimirim e a ESEC Guanabara, de maneira que os licenciamentos só poderiam ser concedidos mediante autorização dos órgãos responsáveis por estas unidades de conservação, o que foi feito.

IBAMA e ICMBio concederam autorização, mas com condicionantes que não foram incorporadas posteriormente na íntegra pelo Inea ao conceder licenças ambientais, conforme a sentença. O Ibama, alegando que possuía limitação em seu corpo técnico e a pedido da Petrobras delegou exercício das atividades de licenciamento ao Inea.

“À medida que o empreendimento se desenvolvia, o INEA ignorava as condicionantes da primeira autorização dada pelo ICMBio”, afirma a sentença.

Texto atualizado em 20/11 para publicar posicionamento da Petrobras e um contexto histórico baseado na sentença judicial