Nas próximas semanas, a ação indenizatória em curso nas cortes da Inglaterra e do País de Gales sobre o crime ambiental de Mariana deve contar com uma nova decisão judicial. O caso é um dos maiores da história do direito ambiental e representa 200 mil pessoas, pelas mãos dos advogados do escritório PGMBM.
O escritório de advocacia se descreve como o único dedicado à justiça ambiental e social, desafiando corporações globais poderosas. No Brasil, são vários casos de deslocalização do conflito, nome dado a ações que ocorrem a partir de danos num país mas que são impetradas em sistemas judiciais estrangeiros.
“Brasil não é para amadores”
O sócio fundador Pedro Martins lembra que a ideia de deslocalização do conflito já existia antes da atuação do PGMBM, citando o continente africano. Mas foi o escritório, parceria entre advogados britânicos, brasileiros e americanos, que teve coragem para começar “a mexer no Brasil”.
“Brasil não é para amadores”, afirma o advogado, em entrevista à Agência Nossa. “São casos relacionados a fatos de violação de direito ambiental, direito concorrencial, direito consumidor em território brasileiro que afetaram grande número de pessoas, que nós representamos contra grandes multinacionais”.
Além da BHP, os advogados do escritório global processam a mineradora norueguesa Norsk Hydro em nome comunidades afetadas por metais tóxicos encontrados em rios e igarapés em Barcarena, nordeste do Pará. A empresa é responsável pela maior mineração de bauxita e processamento de alumínio do mundo.
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Na semana passada, a justiça holandesa informou que decidirá em setembro se acolhe a ação indenizatória contra a Braskem pelo afundamento do solo de cinco bairros em Maceió. O desastre ambiental foi provocado pela exploração de salgema, segundo aponta relatório do CPRM, autoridade brasileira para estudos geológicos. Foram deslocadas até então cerca de 55 mil famílias de suas casas.
“Uma coisa muito interessante que acontece em todos os nossos casos – para os réus desconfortável – é o fato de que em que pese estarmos processando essas empresas na Holanda (por exemplo), a lei material, que vai definir a responsabilidade, é a lei brasileira. Isso faz com que nós advogados possamos nos utilizar de uma legislação que é extremamente protetiva e benéfica em um poder judiciário que é extremamente sério, justo e eficaz”.
O PGMBM também representa 1563 produtores e ex-produtores de laranja, 22 empresas e a Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) num caso contra cartel de suco de laranja. A Bayer também é ré em ação movida pelo escritório na Alemanha devido à fabricação de um dispositivo para laqueadura que tem sido acusado de provocar vazamento de níquel no útero e danos à saúde de 8 mil mulheres no Brasil.
Com escritórios em Londres, Estados Unidos, Holanda e Brasil, o PGMBM também atua em eventos não ocorridos no Brasil contra empresas como a Uber, Johnson & Johnson, British Airways, além de uma série de montadoras na Europa.
A seguir trechos da entrevista do advogado Pedro Martins para a Agência Nossa:
Agência Nossa: Na semana passada a justiça holandesa informou que em setembro julgará se a ação do PGMBM contra a Braskem poderá seguir naquele país. O fato de haver brechas na regulação brasileira para a mineração pode afetar futuras decisões?
Pedro Martins: O fato de não se estabelecer padrões não significa que se pode colocar a vida das pessoas em risco (…). Tanto esse ônus existe nas empresas que exploram atividades de risco que a responsabilidade civil ambiental no Brasil estabeleceu que ela deve ser encarada de forma objetiva. Ao avaliar se uma empresa é responsável ou não por evento poluidor não se avalia se a empresa teve culpa pelo que aconteceu ou não. O mero fato de a Braskem ser a empresa que desenvolve a atividade de risco, faz dela responsável pelo que aconteceu, ela tem que lidar com aquilo. E também faz da Vale responsável. “Ah mas não foi minha culpa que a barragem rompeu”. Para o direito isso não importa, o que importa é que ela é responsável.
O que deve ser considerado pela corte holandesa?
O fato de o Brasil abrigar riqueza natural tremenda fez o legislador decidir dar um status especial à proteção do meio ambiente no Brasil. Cláusula na constituição (…), lei de crimes ambientais, lei de política ambiental de 1981, que criou o conceito de poluidor indireto. O conceito do poluidor indireto diz que mesmo eu não sendo o dono da barragem ou no caso da Braskem, a Braskem SA, a empresa que explorava diretamente a mina de salgema, outras orbitam a atividade econômica (…) Como a Braskem tinha subsidiárias na Holanda, devo ir no judiciário holandês.
Uma coisa muito interessante que acontece em todos os nossos casos – para os réus desconfortável – é o fato de que em que pese estarmos processando essas empresas na Holanda, a lei material, que vai definir a responsabilidade, é a lei brasileira. Isso faz com que nós advogados possamos nos utilizar de uma legislação que é extremamente protetiva e benéfica em um poder judiciário que é extremamente sério, justo e eficaz.
No Brasil, em que pese termos uma legislação (protetiva) disponível, nós temos as idiossincrasias do sistema judiciário brasileiro. Então esse combo de direito processual, sistema judiciário de um país que tem essas vantagens, com um direito material protetivo é muito poderoso. E isso estamos vendo em todos os casos que nós temos.
Foram vocês que começaram a buscar cortes internacionais nestes casos de desastres ambientais no Brasil?
Não vou ser muito humilde: fomos nós que tivemos a coragem de mexer no Brasil. Brasil não é para amadores. A ideia de deslocalização do conflito não surgiu com a gente. Existem casos que ocorreram no continente africano. Mas o fato é que em relação ao Brasil nós fomos os primeiros que resolvemos entrar nesse desafio.
Quais são os outros casos que saem da esfera brasileira?
Hoje o escritório tem seis casos em curso relacionados a fatos de violação de direito ambiental, direito concorrencial, direito do consumidor em território brasileiro que afetaram grande número de pessoas, que nós representamos contra grandes multinacionais. O maior caso do escritório é o de Mariana, representamos cerca de 200 mil pessoas em ação indenizatória que está em curso nas cortes da Inglaterra e no País de Gales. Essa ação está em fase de jurisdição, tem uma decisão que está para sair nas próximas duas ou três semanas.
Ainda no Reino Unido nós representamos 18 mil pessoas que moram no norte do país, afetadas pelo naufrágio de um navio (…) que carregava (…) milhares de cabeças de boi, os animais morreram só que a empresa não retirou as carcaças dos animais, e isso gerou uma poluição tremenda e afetou a sobrevivência daquelas pessoas que dependiam do rio.
Na Holanda, além da Braskem, temos outra que diz respeito a maior mina de exploração de bauxita, processamento e exportação de alumínio do mundo, no município de Barcarena, no Pará. Operada pelo grupo norueguês, Norsk Hydro, que em última instância tem dinheiro do fundo soberano da Noruega, que curiosamente, há algum tempo, tirou dinheiro do Fundo Brasil, da Amazônia, por conta de críticas – muito bem colocadas devo dizer – mas que ao mesmo tempo detém participação num evento que já há quatro décadas vem causando danos visíveis à comunidade de Barcarena.
O último evento danoso ocorreu em 2018, fortes chuvas afetaram a comunidade e quando o nível da água baixou, foi descoberto que a empresa tinha dutos que jogavam resíduos tóxicos diretamente no rio que abastece a comunidade.
A atuação das autoridades, do Ministério Público, costuma ser frequente …
Sim, há a prática dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). São documentos nos quais as empresas não assumem a responsabilidade pelo que aconteceu mas assume a obrigação de uma forma acordada. forma esta que normalmente ela escolhe, ela impõe.
Depois que ajuizamos ação na Inglaterra, lá em Mariana, que estavam pagando 60 mil reais, já aumentaram para 250 mil reais o dano moral para as pessoas que tiveram que sair de Bento Ribeiro.
Também no âmbito dos TACs, no caso da Braskem, moradores se queixam por terem de vender suas casas para a empresa, em vez de receberem indenização, acham que depois pode haver valorização e no final das contas ser um bom negócio para a Braskem, dizendo que é um absurdo.
Sim, se tenho indenização a pagar deveria colocar no passivo e não aumentando o valor da empresa, de uma empresa que está sendo vendida.
Voltando aos casos, no direito do consumidor, o Essure, um dispositivo intrauterino que serve como laqueadura, implantado pelo SUS (…) causa contaminação por níquel, e o vazamento gera danos terríveis para a saúde feminina; perda de cabelo, dentária, extração do útero. O dispositivo é fabricado pela Bayer, da Alemanha.
E o último caso na Alemanha é o de Brumadinho, com 1.500 pessoas da TÜV SÜD que certificou a segurança da barragem de brumadinho, empresa gigante alemã.
*Matéria atualizada em 30/05 com acréscimo sobre o caso Braskem, incluindo informações sobre relatório do CPRM e pergunta da repórter sobre a venda de casas pela empresa, contextualizando e atualizando a resposta do entrevistado.