A quinta cidade mais rica do Brasil não acompanhou nos últimos anos o ritmo dos atendimentos do País e da sua unidade federativa aos mais vulneráveis. Muito pelo contrário, enquanto o estado fluminense e o Brasil dobraram os atendimentos para as pessoas em situação de rua, Niterói os reduziu a menos de um terço: o total de atendimentos em Centros de Referência (Centros Pop) e por Equipes de Consultórios na Rua (eCR) despencou de 7406 em 2018 para 2.196 em 2022.
No mesmo período, o total da população sem moradia nas ruas da cidade cresceu 100%. A população em situação de rua (PSR) passou de 352 para 707, de acordo com os dados do Governo Federal. No caso dos Consultórios na Rua, as unidades de atendimento móveis, o total de atendimentos individuais passou de 2407 em 2018 para apenas 251 em 2022. As conclusões são de um levantamento que a Agência Nossa realizou com base no relatório “População em Situação de Rua”, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
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A reportagem da Agência Nossa acompanhou parte da via crucis de seu Altivo Santos, de 74 anos, que tenta uma cirurgia de remoção de catarata desde antes da pandemia. Uma de suas principais fontes de renda e satisfação pessoal, sua arte, foi interrompida. Com visão comprometida, não pode mais pintar quadros como antes.
Entre idas e vindas ao Consultório na Rua, ele conta que teve de refazer exames por terem perdido a validade a cada vez que tinha um procedimento ou uma consulta desmarcada.
Na última tentativa, em agosto de 2023, uma funcionária da unidade de Consultório na Rua na Ponta da Areia marcou para o mês seguinte o atendimento com o médico geral para seu Altivo. Ainda não era com o especialista, embora já houvesse no sistema da Prefeitura vários registros do seu problema, que demandava um oftalmologista para indicação de cirurgia. Ela disse que teria que recomeçar do zero, como se ele não tivesse ido ainda naquele local.
“Esse serviço de assistência em Niterói foi terceirizado e temos um sucateamento dos cuidados e da contratação desses profissionais. Isso levou a um caos muito grande na cidade, porque a gente também vem de um processo a nível nacional, em que o Brasil volta para o mapa da fome; a gente vem de um processo de devastação econômica no país a partir da gestão do Guedes”, analisa a vereadora do PSOL, Benny Briolly.
Na data marcada, seu Altivo percorreu dez quilômetros em seu triciclo carregando todos os seus pertences para ser atendido na unidade. O correto seria o Consultório na Rua ir até o local onde ele costuma ficar, mas ele não acreditou na palavra da funcionária. De fato, o furgão não apareceu na praça onde ele costuma ficar. Seu Altivo tampouco foi atendido na unidade, pois, ao chegar, foi informado de que não havia médico.
Ligamos para a unidade e uma outra funcionária informou que a médica estava de licença por motivo de doença e que não havia previsão de retorno. Por isso não poderia agendar novamente, sem previsão. O esforço de seu Altivo, mais uma vez, em vão, expõe outro caso de violência institucional. Ele não quer mais tentar.
Mesmo sabendo da ausência do médico e dispondo de números de telefone de contato, os responsáveis pelo atendimento do Consultório na Rua de Niterói não ligaram para desmarcar como havia sido combinado.
Opção política?
“Não cuidar dessas pessoas é uma opção política porque Niterói tem dinheiro, só que o dinheiro é utilizado para outras coisas, como shows o tempo todo, árvores de Natal e mais uma porção de coisas. Não é importante para essa prefeitura olhar para a população em situação de rua”, dispara o vereador do PSOL professor Túlio.
Após ver os dados levantados pela Agência Nossa, o vereador afirmou que abrirá requerimento à Prefeitura de Niterói para apurar a queda brusca nos atendimentos. A Prefeitura de Niterói não respondeu à Agência Nossa sobre o levantamento até a publicação desta reportagem.
Para o vereador, investir menos em assistência social é uma estratégia política, considerando uma parcela significativa da população que desconhece, por exemplo, que a expressiva maioria de pessoas em situação de rua é trabalhadora.
“As pessoas desconhecem a realidade do catador de rua, acham que não trabalham”.
Ações violentas de dois criminosos que vivem nas ruas de Niterói viralizaram nas redes sociais recentemente, levando a comentários discriminatórios que condenam as outras 867 pessoas aos mesmos crimes. Como se dois falassem por todo o conjunto de 869 pessoas em situação de rua de Niterói – segundo dado de 2023 fornecido pelo Ministério de Desenvolvimento Social.
A vereadora Benny também cita o que chama de “elitismo em Niterói, de querer excluir, higienizar banir as pessoas em situação de rua por supostamente não serem do município, mas estão no município e a partir do momento em que essas pessoas vivem no município, elas fazem parte dele”.
A Fesaúde (Fundação Estatal da Saúde), subordinada à Secretaria Municipal de Saúde, é responsável pelo programa dos Consultórios na Rua e obteve um aumento de 1390% em seu orçamento de 2021 para 2023, passando de R$ 10 milhões para R$ 139 milhões.
Resposta pelas redes sociais
O secretário de Assistência Social do município de Niterói, Elton Teixeira, afirma que em 2023, o centro pop realizou quase 7 mil atendimentos.
Pelas redes sociais, ao comentar o post sobre esta reportagem no Instagram, ele elencou uma série de medidas da Prefeitura na área de assistência social.
“De 2021 a 2023 saltamos de 200 pra 350 vagas de acolhimento institucional. As unidades de acolhimento ofertam diversos serviços, além de alimentação. Ao mesmo tempo, Niterói ampliou a oferta de equipamentos para segurança alimentar”, postou, nos comentários do post da Agência Nossa (@agencia.nossa).
Ele lembrou que em novembro de 2023, foi inaugirado o restaurante popular do Fonseca, que, segundo ele, já serviu mais de 100 mil refeições. “Temos tb o restaurante do centro que, desde sua municipalização, já serviu mais de 3,5 milhões de refeições”.
Elton Teixeira conta ainda que, no dia a dia, tem intensificado as abordagens sociais, ofertando serviço de acolhimento, recambiamento e também acesso a rede de saúde.
“Pra além disso, a prefeitura, através da secretaria, executa um dos maiores programas de transferência de renda do país que é a moeda social araribóia que beneficia mais de 36 mil famílias com benefícios médios de R$ 450,00”.
Obs: a reportagem da Agência Nossa enviou à Prefeitura de Niterói email sobre o assunto duas semanas antes de publicar a reportagem.
Com reportagem de Arthur Falcão e Francielly Barbosa
Matéria atualizada em 07/02 com informações do secretário de Assistência Social de Niterói