Na última semana, com a aprovação no primeiro turno de votação do Projeto de Lei 221/2023, que trata da Lei Urbanística de Niterói, uma questão de sobrevivência para esta e para as próximas gerações foi levantada por moradores, organizações sociais e vereadores contrários à proposta: o déficit de água que já afeta a cidade e todo o Leste Fluminense. A votação deve ser concluída nesta semana, com sessão marcada nesta quinta, às 16h, na Câmara dos Vereadores.
Parlamentares e movimentos populares argumentaram que o município não possui infraestrutura para abastecer todos os novos prédios que poderão ser construídos com o aumento dos gabaritos previsto no plano. À Agência Nossa, o membro do Comitê da Baía de Guanabara e pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas, Luiz Firmino Pereira, explica que a insegurança hídrica na região já existe. Entenda na nossa reportagem o que está acontecendo.
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Formado pelas cidades de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Tanguá, Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu, boa parte do Leste Fluminense é abastecida pelo sistema Imunana-Laranjal, que capta água dos rios Guapiaçu e Macacu. A água levada por um canal no município de Guapimirim até a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Laranjal, em São Gonçalo, é depois distribuída para Niterói, São Gonçalo, parte de Itaboraí, Ilha de Paquetá e os distritos de Inoã e Itaipuaçu, em Maricá.
O sistema dispõe de uma vazão de 7 m3/s — ou seja, sete mil litros passam pelos canos em um segundo —-, dos quais a cidade de Niterói, com aproximadamente 500 mil habitantes, utiliza 2 m3/s. “Niterói consome menos de 2 m3/s de água, enquanto o sistema Imunana dispõe de 7 m3/s. A população de São Gonçalo, estimada em um milhão de habitantes, para manter esse mesmo padrão de Niterói precisaria de cerca de 5 m3/s de água”, explica Pereira.
A questão principal apresentada pelo pesquisador é que apenas o consumo das duas cidades, mesmo que mantidos os padrões do município de Niterói, faz com que o sistema opere no limite. Além disso, o sistema Imunana-Laranjal não conta com nenhum reservatório, dependendo das vazões dos rios e do volume das chuvas para realizar o abastecimento das regiões em que opera.
“Se você tem o padrão de Niterói, que no momento é um bom padrão de consumo de água, com pouca perda, para a população de São Gonçalo precisaríamos de 5 m3/s de água. Com isso, já esgotamos a capacidade do sistema”, esclarece Pereira. “A situação do Leste Fluminense é muito pouco confiável, porque ainda há Itaboraí, uma parte de Maricá e outras cidades que recebem essa água”, acrescenta.
O panorama hídrico da região se torna ainda mais delicado se considerado as mudanças climáticas, que tem impactado na frequência dos períodos de chuvas e secas. O membro do Comitê da Baía de Guanabara relembra que por volta de 2007 a região já passou por um período intenso de falta de água, o que pode se repetir caso uma solução eficiente não seja apresentada logo: “Foi uma das primeiras vezes em que vi a Política Nacional de Recursos Hídricos ser aplicada priorizando o consumo humano sobre os outros usos, tanto que foram fechadas torneiras de água da agricultura e da indústria para poder sobrar água para o consumo humano”.
Caso os níveis dos rios que alimentam o sistema Imunana-Laranjal diminuam, a quantidade de água captada não será suficiente para abastecer os territórios que dependem do sistema. Nesse cenário, a única alternativa seria considerar o racionamento de água, em que a distribuição do recurso é realizada em dias alternados, além de ser interrompido para os setores da agricultura e da indústria para economizar para o abastecimento humano, afetando a irrigação dos cultivos e a produção das empresas.
“O racionamento é uma medida extrema e aqui ele já é iminente, porque no momento em que houver uma seca mais forte, o sistema que já está naturalmente estressado não será capaz de realizar a distribuição de água”, afirma. Há a necessidade de suprir a demanda de água para a região, somada ao crescimento das cidades que compõem o Leste Fluminense, sobretudo Niterói e São Gonçalo.
Para solucionar a questão do déficit de água, a principal proposta apresentada pelo Plano Estadual de Segurança Hídrica é a construção de uma barragem no rio Guapiaçu, em Cachoceiras de Macacu. Para ser concretizado, o projeto, no entanto, esbarra em dois obstáculos: o custo das obras, estimado em R$ 250 milhões, e o impacto nos agricultores locais.
No estudo “Alternativas para Incremento da Segurança Hídrica do Leste Metropolitano do Rio de Janeiro”, Pereira e os dois outros estudiosos, Paulo Canedo (UFRJ) e Morganna Capodeferro (FGV CERI), apresentam alternativas para a obra, como a interligação dos sistemas Imunana-Laranjal ao Guandu, que abastece a região Oeste. “Nesse trabalho, faço outra proposta: sugiro a utilização da água do Oeste Fluminense para que, com o tempo, surja uma melhoria do uso da água, mas alguns pesquisadores também comentam que poderia ser utilizada a barragem já construída em Juturnaíba, que tem potencial subutilizado. Ela abastece a Região dos Lagos, mas tem capacidade de ofertar mais água, que poderia também vir para o Lado Leste da Baía de Guanabara”.
A falta de água é presente, mas com a aprovação da Lei Urbanística em Niterói, Pereira alerta que a situação hídrica da cidade, antes de conforto, pode passar a um cenário mais crítico. “A urgência de resolver o problema de água na região leste é muito maior do que o crescimento das cidades nesse momento, porque do tamanho que está a conta já não fecha, tanto que, na concessão feita, a empresa que ganhou tem o dever de investir nessa solução. Está no caderno de encargos que ela tem o compromisso de investir [nessa questão], o que falta é um consenso e a definição de qual é a melhor solução”, conclui.
Proposições da sociedade foram ignoradas, diz associação de arquitetos
Segundo o Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio, a Prefeitura de Niterói, autora do projeto, não acatou a maioria e mais relevantes proposições da sociedade. Como a sugestão de indicação de áreas para produção de habitação de interesse social e equipamentos públicos.
Também foi pedido pela sociedade a redução do potencial de construção, considerando a “falta evidente de infraestrutura”. Mas isso também não foi acatado, pelo contrário.
A não edificação foi pedida por exemplo para o Morro do Gragoatá, localizado em área considerada de fragilidade ambiental. Também a não transformação de todo o bairro de Charitas em zona residencial. Locais em Itaipu, Camboinhas, Varzea das Moças, Centro, Engenho do Mato e outros bairros estão na mira do aumento de gabarito.
Segundo o movimento Lagoa para Sempre, o PL abre caminho para a construção de 50 mil imóveis, sendo que a cidade não sofre de falta de imóveis, pelo contrário.
Com reportagem e edição de Sabrina Lorenzi