Niterói, Extrema e S. José do Hortêncio são ilhas em meio a dificuldades de RJ, MG e RS
A aposentada Odete Ribeiro Martins espera menos de cinco minutos para ser atendida no pronto socorro municipal. Antes de entrar no consultório médico, ela, com a experiência de quem acompanha a filha há anos em tratamento de lúpus, conta que raras vezes enfrenta filas. Diz também não ter dificuldade para obter periodicamente medicamentos e realizar os exames necessários para acompanhar a doença da filha.
Dona Odete não está em no desenvolvido norte europeu, mas no sul de Minas Gerais, a apenas 108 quilômetros de São Paulo. Extrema é cidade de indicadores sociais de primeiro mundo dentro de um dos três estados brasileiros mais afetados pelo desequilíbrio fiscal. Dos sete estados que já decretaram calamidade financeira, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são os mais endividados, com pouco espaço para investimentos, saúde e educação.
A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em estudo sobre equilíbrio fiscal, acaba de chamar atenção para a aceleração de gastos com Previdência, além de outros fatores que têm provocado rombo nas contas estaduais.
Na contramão dos resultados de desequilíbrio fiscal em seus estados, Niterói (RJ), Extrema (MG) e São José do Hortêncio (RS) são considerados exemplos de gestão fiscal no País. Com capacidade de investimento, têm assumido despesas antes pagas na esfera estadual.
Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, ficou por exemplo com uma fatia da segurança pública. Tomou para si os custos do restaurante popular e da biblioteca-parque. E reabriu escolas estaduais que estavam fechadas.
Royalties e participações especiais em campos de petróleo do pré-sal deram um empurrão na arrecadação da cidade fluminense, que passou do 41o lugar em 2015 para o 19o em 2017 em receita total entre mais de cinco mil cidades brasileiras. O IPTU é um forte aliado nas finanças. Segundo o último levantamento Pnud, das Nações Unidas, Niterói é a cidade com a segunda maior renda do País.
No topo dos investimentos
No Rio Grande do Sul, a cidade número um em gestão fiscal está no ranking das que mais investem, assim como a mineira Extrema e a fluminense Niterói, de acordo com o anuário Multi Cidades, Finanças dos Municípios do Brasil, edição de 2019.
São José do Hortêncio (RS) está no topo em igualdade social. País. A diferença entre pobres e ricos é a menor do País, de acordo com índice de Gini baseado no cálculo da ONU. O índice ficou em 0,28, em uma escala de 0 a 1 na qual quanto mais próximo de um mais concentrada é a renda, para até uma única pessoa. O zero significa nenhuma diferença de renda entre as pessoas.
A igualdade em São José do Hortêncio começa na Educação. Até o ensino médio a única alternativa é a rede pública; as mesmas escolas são para as variadas classes de renda. As aulas de alemão são para todos, dadas nas escolas municipais. A nota do Ideb e a taxa de escolarização estão entre as maiores do Brasil. Vários municípios no RS também apresentam bons indicadores sociais e se destacaram pelo investimento em educação bem acima da média brasileira.
A mineira Extrema (MG) seguiu o mesmo caminho. Saltou da 569a colocação para o primeiro lugar em desenvolvimento social em oito anos. Está entre as cidades brasileiras que mais realizam investimentos mesmo nestes tempos adversos, segundo o anuário elaborado pela consultoria Aequus.
O investimento em serviços hospitalares pode ser observado nas instalações novas do pronto socorro e em várias das 15 unidades básicas espalhadas pelo município. A rede municipal oferta cirurgias e exames complexos como tomografia e ressonância magnética, que não costumam ser disponibilizados por prefeituras. Um luxo para a população de 34 mil habitantes e de cidades vizinhas (metade dos 4,5 mil atendimentos mensais não são de extremenses).
Gasto social cresce junto com arrecadação em Extrema
Não há mistério para explicar o êxito no desenvolvimento social, segundo a prefeitura: a verba para educação e saúde cresce junto com a receita. “Na mesma velocidade que cresce a arrecadação cresce o investimento social”. Em 2001 o orçamento anual da Saúde, por exemplo, era de R$ 818 mil, superando R$ 40 milhões quase duas décadas depois.
Em Educação, são aplicados cerca de 27% da arrecadação, fatia acima da média dos municípios de mesmo porte, que destinam em média 22% do que ganham para a pasta.
Com o segundo maior pólo industrial de Minas Gerais – são 255 indústrias instaladas – Extrema abriga empresas como Bauducco, Kopenhagen, Netshoes e Multilaser e Ball. Enquanto o País ainda sentia os efeitos da grave crise econômica que derrubou arrecadação e empregos, a cidade de 34 mil habitantes atraiu 19 novas empresas e criou quase mil empregos no auge da crise. As principais atividades são os segmentos alimentício (é o 4º maior polo chocolateiro do país), eletroeletrônico, metal mecânico e logística.
Polo empreendedor em Niterói
Já em Niterói, menos privilegiada pela industrialização, a estratégia tem sido apoiar o empreendedorismo. Os estaleiros, pilar de empregos na cidade, foram severamente afetados com a redução de investimentos na indústria do petróleo, consequência direta da Lava-Jato e das denúncias de corrupção na Petrobras.
A aposta de Niterói em cervejeiros artesanais tem rendido emprego e renda, bem como saborosas e premiadas cervejas. O analista de sistemas Alisson Christi se uniu a outros três sócios e, juntos, lançaram a cervejaria Araribóia. Em apenas um ano a marca já contava com 5 rótulos, 50 pontos de venda e 10 mil litros vendidos. O plano é dobrar o volume no segundo ano de operação.
“A opção de produzir cerveja, além de prazerosa, é favorecida na nossa cidade por uma lei recém-aprovada que permite produzi-la em área residencial, proibido em outros locais como o Rio, por exemplo”, afirmou um dos fundadores da marca que fabrica cervejas com nomes de praias de Niterói, como Itacoa Summer e Charitas. A cidade se tornou pólo produtor de cervejas especiais, com 51 cervejeiros independentes.
Por outro lado, a cidade não se destaca tanto em indicadores sociais. Notas medianas no Ideb e hospitais superlotados sinalizam que o aumento extraordinário de receitas não tem acompanhado gastos em saúde e educação na mesma proporção. Para conseguir um exame complexo, o paciente niteroiense que não tem plano de saúde tem esperado ao menos seis meses — na cidade com receita anual bilionária em royalties e participações especiais.
Boa parte da receita de Niterói foi destinada recentemente a obras de infraestrutura, como a construção da Transoceânica, que inclui um túnel interligando a região oceânica à área central da cidade, com sistema rápido de ônibus (BRT), além de obras de saneamento na mesma região. A obra colocou a cidade na dianteira das que mais investem no Brasil quando desconsideradas capitais no ranking do Multi Cidades de 2019.
Também reforçaram o caixa a modernização de mecanismos de cobrança, a adoção de nota fiscal eletrônica e a centralização de informações em um único sistema, cita a prefeitura de Niterói.