Depois de ser votado e aprovado em apenas dois dias após ser apresentado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental passará por debates no Senado. A casa acaba de aprovar requerimento para a realização de uma audiência pública para o projeto que prevê a autodeclaração e até a liberação do licenciamento de novos empreendimentos.
Principal instrumento de controle de danos ambientais por projetos de infraestrutura, a exigência de licenciamento ambiental conta com defensores de diversos tipos de causas e movimentos por todo o País. A Agência Nossa ouviu alguns deles, que, em comum, alertam para um aumento vertiginoso do desmatamento, principalmente na Amazônia e no Cerrado como consequência direta das novas regras.
“O aumento do desmatamento tem diversas consequências, como a redução da fauna, a diminuição de chuvas em certas regiões, o aumento de enchentes em outras, o aumento da temperatura, enfim, a intensificação das mudanças climáticas e suas consequências sociais”, afirma o especialista em Políticas Públicas da WWF-Brasil, Rafael Giovanelli.
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O Greenpeace avisa que o Projeto de Lei 3729/2004, se aprovado e sancionado, abre a possibilidade para grandes desastres ambientais, além do impacto sem precedentes para terras indígenas e quilombolas. “Com a flexibilização que está colocada nesse texto, a gente pode esperar grandes desastres, corremos o risco de ter novos Brumadinhos acontecendo, risco de empreendimentos construídos muito próximos a unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas, desconsiderando potenciais impactos dentro desses territórios.
A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), organização atuante em questões ambientais, reforça que as consequências ainda mais graves deste PL recaem sobre grupos historicamente vulneráveis, já que “os custos da degradação ambiental não são distribuídos de forma equânime na sociedade”.
“Uma das principais consequências desse PL será ampliar os conflitos e as injustiças ambientais no país, e, ao mesmo tempo, limitar o poder público e as organizações da sociedade civil como a FASE a uma atuação permanente na contenção e na reparação de danos, muitos dos quais, nós sabemos, jamais poderão ser de fato reparados”, afirma a socióloga Julianna Malerba, assessora nacional da Fase.
Pandemia deveria ser prioridade
O projeto de lei, aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 13, estabelece um novo marco regulatório para o licenciamento ambiental. Nesta quarta-feira, senadores aprovaram requerimento para a uma audiência pública que promete esquentar ainda mais o Congresso, em meio à CPI da pandemia.
“A prioridade absoluta do poder público deveria ser a busca de soluções para a profunda crise humanitária que estamos vivendo. O texto aprovado pela Câmara não passou pelo crivo da opinião pública, nem de especialistas. É um texto inconsistente, que tem potencial de aumentar a insegurança jurídica e fragilizar as medidas de proteção do meio ambiente e das pessoas. O Brasil precisa de uma lei geral de licenciamento, mas esse PL não contribui para o desenvolvimento do país”, afirma Rafael Giovanelli.
O Projeto de Lei foi apresentado 48 horas antes de ser votado, e o tempo para a sociedade se posicionar foi curto. Ainda assim, segundo Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace, doze cartas foram enviadas ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, alertando e dando destaque para os pontos críticos do Projeto.
Aprovação relâmpago
A assessora de políticas públicas do Greenpeace avalia que só uma audiência pública não será suficiente para que o projeto seja analisado de forma profunda. O mais importante, ela frisa, é que o projeto de lei seja tramitado nas comissões. “Uma única audiência pública não garante um debate adequado e aprofundado.”
“Arthur Lira desconsiderou esse chamado da sociedade, o Projeto seguiu para a pauta do Plenário e foi aprovado com uma margem grande de votos. As questões principais que a gente enxerga, a problemática desse texto, é que ele flexibiliza e enfraquece o licenciamento ambiental a um ponto em que ele cumpre seu objetivo contrário. É uma lei do não-licenciamento. O licenciamento vai virar a exceção, e não a regra se esse projeto foi aprovado dessa forma.”
O texto cria a chamada Licença por Adesão de Compromisso (LAC), um documento de “autolicenciamento” feito pelo próprio solicitante.
O principal argumento dos seus defensores é que o PL simplifica processos burocráticos e cria condições mais ágeis de investimentos e desenvolvimento de infraestrutura para o País.
Boiada passou na Câmara
“O que a gente está vendo acontecer no momento é a boiada, que foi anunciada no ano passado por Ricardo Salles, quando ele enxergou a pandemia como uma oportunidade de ‘passar essa boiada’ e fazer as modificações de ordem infralegal em 2020. Hoje, o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional deram as mãos para que essas boiadas cheguem a um novo nível, que é o nível da desregulamentação da nossa legislação”, afirma Luiza Lima.
Para Rafael Giovanelli, a influência do governo na decisão foi clara, o que, segundo ele, foi falado abertamente pelos parlamentares que trabalharam pela aprovação do texto.
“Infelizmente, isso mostra o descompasso que existe entre a opinião de especialistas, de um lado, e os interesses que mandam na Câmara dos Deputados, de outro”
STF à vista
Se o texto-base for aprovado sem modificações pelo Senado, as entidades, ex-ministros e ambientalistas já se preparam para recorrer ao Supremo Tribunal Federal. “Os juristas e advogados já identificam que o projeto pode ser considerado inconstitucional, pois reduz a proteção ao meio ambiente, algo que não pode ser feito de acordo com a Constituição”, diz Luiza Lima. “Se o PL for aprovado dessa forma, com certeza teremos recursos falando sobre sua inconstitucionalidade”.
“Reduzir a proteção ao meio ambiente, algo que não pode ser feito de acordo com a Constituição. Não se pode fazer uma legislação que vá atrapalhá-la. Esse PL gera uma insegurança jurídica muito grande. Ele dá muita responsabilidade pro empreendedor, joga no colo dele muita parte do seu processo”.
Coordenação e edição de Sabrina Lorenzi