Quem lê o relatório da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) sobre a relação da mineração da Braskem com o afundamento do solo em parte de Maceió pode se perguntar como a companhia conseguiu da Justiça ontem (quinta-feira, 04) uma liminar que impediu moradores de protestar em frente a sua unidade na capital alagoana. Também pode vir a questionar por que a Agência Nacional de Mineração (ANM) aceitou reduzir drasticamente os custos da companhia para o encerramento das atividades apontadas como causa do desastre ambiental.
Outra vitória alcançada pela Braskem vem dos índices que medem boas práticas e servem de bússola para investidores que buscam negócios sustentáveis. Ser apontada como responsável pela remoção de 50 mil pessoas de suas casas não impediu a petroquímica de ficar entre as 6 companhias mais bem avaliadas de um dos principais índices ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança).
O afundamento do solo em Maceió também não excluiu a companhia de carteiras dos principais índices da temática socioambiental, como Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e o Índice de Carbono Eficiente (ICO2). A empresa também compõe índices de boas práticas de governança corporativa. A lém disso, a empresa coleciona importantes prêmios internacionais de sustentabilidade.
“Esse caso é mesmo uma vergonha. Mostra que os índices são inadequados”, dispara o gestor da Fama Investimentos, Fábio Alperowitch, um dos principais críticos no tema.
Questionado sobre o fato de uma companhia apontada como responsável por um impacto socioambiental tão expressivo estar tão bem avaliada no S&P B3 ESG, um dos representantes da S&P Dow Jones na América Latina afirma que não tem informações para responder essa questão. A Braskem tem ocupado o ranking dos 10 melhores componentes do índice entre 131 empresas da carteira.
Leia também na série Contradições do ESG:
Com índices importados, ESG no Brasil deixa de fora desmatamento, corrupção e fome
Discurso de sustentabilidade contrasta com aumento de plástico
Em março de 2018, um terremoto de magnitude 2,4 na escala Richter deu início à via crucis de moradores de quatro bairros em Maceió. Cerca de um ano depois, um relatório da CPRM, braço do governo brasileiro para pesquisas geológicas, atribuiu o problema às atividades de mineração da Braskem. Entre as conclusões da CPRM, algumas minas desativadas que deveriam permanecer estáveis foram se desestabilizando ao longo dos últimos anos.
“Há evidências que comprovam que a deformação nas cavernas da mineração teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região estudada. Este processo está em evolução”.
A intensidade na extração do minério ao longo do tempo teria criado minas maiores do que o recomendado por avaliações de risco realizadas por especialistas em estudos publicados. Seis minas teriam se juntado, duas a duas, com os pilares que as dividiam tendo desabado.
Um estudo encomendado pela própria empresa ao alemão Institut für Gebirgsmechanik GmbH, publicado em dezembro de 2019, mostra que nove entre onze minas alvo de análise possuíam diâmetros superiores a 60 metros. Esses tamanhos contrariam recomendações de segurança apontadas em outros estudos anteriores.
Em tese de doutorado o autor Claudio Pires Florencio recomenda diâmetro de 60 metros e distância de 100 metros entre os poços. Já um estudo anterior, publicado em 1992 pelos autores Álvaro Maia da Costa e Paulo Roberto Cabral sugerem diâmetro de até 53 metros. “Mesmo depois da publicação desse trabalho minas continuaram sendo projetadas com diâmetro muito acima de 60,70 metros. O resultado é esse aí. O pior é a distância entre as minas”, afirma o engenheiro civil que acompanha o assunto Abel Galindo.
“Foram abrindo tanto o diâmetro que as minas acabaram se juntando. A distância entre as minas é muito importante, são os pilares, colunas de sal que sustentam o que está em cima, então existe um limite”, acrescentou Galindo, que também é pesquisador e mestre em Geotecnia..
O instituto alemão também cita a existência de pilares estreitos nas cavidades das minas. A exposição nesse estudo, dos tamanhos das minas, também levou especialistas e autoridades locais a concluir que as distâncias entre as cavernas são bem menores do que deveriam segundo avaliações de risco e segurança. Os especialistas ponderam que não há regulamentação para isso no Brasil, portanto, a Braskem não teria infringido leis ao abrir grandes minas debaixo do solo.
Problema começou faz tempo
O relatório do CPRM mostra que o deslocamento das minas antigas começou há vários anos. De acordo com a Prefeitura de Maceió, os primeiros movimentos do solo começaram a ser sentidos em 2005. Mas as atividades de mineração de sal-gema teriam seguido normalmente por pelo menos mais uma década.
“Com demanda elevada pelo produto, a Braskem começou a perfurar de maneira indiscriminada com a negligência da ANM e Instituto do Meio Ambiente”, afirma o coordenador do Gabinete de Gestão Integrada para a Adoção de Medidas de Enfrentamento aos Impactos do Afundamento dos Bairros, Ronnie Mota.
Procurados pela Agência Nossa, Braskem, ANM e Ima não comentaram as declarações até o fechamento desta reportagem.
Pelo menos 50 mil pessoas foram removidas com a interdição e esvaziamento de 15,7 mil imóveis.
“Temos que considerar que o impacto foi em toda capital. Uma das principais vias da cidade parou e foi para outra via, sobrecarregando o tráfego, o VLT que 20 mil pessoas usavam parou. Sem falar que o deslocamento dessas pessoas que saíram de seus bairros foram utilizar serviços e infraestrutura pública em outros bairros, sobrecarregando saúde, escola, creche, saneamento, asfalto … Toda essa infraestrutura com a qual o município arcou, a empresa vai ter que pagar”.
Apesar de todos os danos, os moradores foram proibidos de protestar pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. A Braskem conseguiu uma liminar nesta quinta-feira para impedir manifestações que ocorreriam em frente a suas instalações em Maceió. Na decisão o juiz José Afrânio dos Santos atendeu o pedido da petroquímica para que proiba os réus de “promoverem qualquer obstrução ou dificuldade de acesso às operações fabris da referida Companhia em Maceió (AL), bem como os impeça de praticar qualquer outro ato de incitação à turbação ou esbulho”.
O juiz justificou que, diante dos fatos narrados pela empresa, observou que a unidade fabril poderia ser invadida pelos réus a qualquer momento, além de que as manifestações poderiam obstruir ou dificultar o acesso às operações da Braskem.
Mas os organizadores do protesto negaram as alegações da companhia.
“Somos totalmente contrários a ações de vandalismo e invasão que foram alegadas pela Braskem. Inclusive, nas postagens nós deixamos claro que não queríamos impedir nem a passagem nas vias. O que foi colocado nessa liminar é uma aberração. Ficamos todos entristecidos com a situação” disse um dos líderes da SOS Pinheiro, Max Ramires.
Em resposta à Agência Nossa sobre o pedido de liminar baseado em ações que os manifestantes negam, a Braskem afirma que solicitou o pedido da liminar “pela preocupação com a segurança das pessoas e, de forma preventiva, diante da possibilidade de invasão da fábrica da interrupção abrupta das operações, uma vez que o regime ininterrupto das operações é condição indispensável para a segurança de qualquer unidade industrial, especialmente da química”.
Riscos e acordos
O MPF requer à Justiça Federal em Alagoas que a empresa repare integralmente o dano socioambiental em valor não inferior a R$ 20,5 bilhões.Para cumprir o Termo de Acordo, a Braskem depositou, segundo o MPF, valor de R$ 1,7 bilhões para fazer frente à demanda inicial. A empresa emitiu ainda apólice-seguro, sendo R$ 2 bilhões para a área controvertida (os imóveis que não estão contemplados pelo Termo de Acordo) e mais R$ 1 bilhão para as medidas emergenciais da ação civil pública por responsabilização ambiental ajuizada pelo MPF. Entre os bairros contemplados pelo acordo estão Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, bem como os imóveis que ocupam a Encosta do Mutange.
Em relatório para investidores no exterior, a Braskem relata que interrompeu as operações de mineração na mina de sal da Companhia em Alagoas em maio de 2019.
“Embora o risco de formação de cratera seja improvável, ele não pode ser totalmente desconsiderado. Foi designada uma área de segurança abrangendo 15 dos 35 poços no local da mina de sal da Companhia e toda a área de mineração foi monitorada”.
A empresa explica que em outubro de 2019, um projeto conceitual foi lançado para iniciar o preenchimento de quatro cavidades que saíram da camada de sal, que é uma condição para formação de cratera. Em novembro de 2020, o primeiro poço começou a ser preenchido com areia. “No entanto, essas ações são parte de uma operação maior que, após esforços de engenharia razoáveis, pode levar alguns anos para ser concluída. Outras cavernas que são comparativamente mais estáveis serão monitoradas de perto”.
Em novembro de 2020, a Braskem tomou conhecimento de que a ANM determinou o fechamento da mina, incluindo o preenchimento de uma série de poços de sal adicionais com material sólido, com custos que chegariam a R$ 3 bilhões. A empresa interpôs recurso contra tal decisão e o pedido de suspensão foi concedido pela ANM, que aceitou o plano de fechamento de mina proposto pela própria Braskem, para o qual já havia sido provisionado o valor de R$ 1,2 bilhão.
Prêmios
Apesar dos problemas junto a 50 mil pessoas em Maceió, a Braskem coleciona prêmios de sustentabilidade, exibidos em seus relatórios para investidores. Entre eles, a Braskem afirma que é a única empresa brasileira reconhecida como Empresa Líder em Desenvolvimento Sustentável pelo Pacto Global da ONU.
“O Global Compact LEAD é um seleto grupo de empresas que tiveram reconhecidos seus compromissos com o Pacto Global da ONU e que assumem um papel de liderança dentro do Global Compact, considerada a maior iniciativa corporativa de sustentabilidade do mundo. Mais de 10 mil empresas do mundo inteiro participam do Pacto Global e, deste total, somente 36 empresas receberam o reconhecimento da ONU, sendo a Braskem a única empresa brasileira presente entre as reconhecidas”.
Além disso a produção do plástico de origem renovável, feito a partir da cana-de-açúcar, foi reconhecida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU e pela Rede Brasil do Pacto Global como uma das inovações mais transformadoras em desenvolvimento sustentável no Brasil, na categoria Indústria & Energia.
“Vencemos a primeira edição do Prêmio de Sustentabilidade do Fórum de Perspectiva Financeira & Sustentabilidade da Chemical Week, veículo norte-americano, na categoria Melhor Iniciativa Sustentável com nosso portfólio de produtos para economia circular…”.
A empresa também é líder em três rankings de 2020: Gestão hídrica, Mudanças climáticas e Engajamento de fornecedores (Clima e Água). Pela quarta vez consecutiva,” alcançamos classificação máxima na Gestão Hídrica “A List” e pela sexta vez consecutiva estivemos como líderes na Gestão de Mudanças Climáticas (-A). Pela quinta vez consecutiva também nos mantivemos no ranking de liderança de Engajamento de Fornecedores (Clima e Água), em 2020 com a nota máxima “A list”.
Com tantos troféus, a empresa marca forte presença também nos principais índices ESG.
Posicionamento da Braskem
Em resposta aos questinamentos e dúvidas da Agência Nossa, a Braskem responde que:
“Desde 2018, a Braskem vem contribuindo com o poder público na compreensão do fenômeno geológico em Maceió e atuando preventivamente para minimização dos seus efeitos. A empresa segue as normas técnicas nacionais e internacionais para o monitoramento e controle de todos os poços, a exemplo de estudos de sonar, monitoramentos topográficos e estudos de geomecânica, para entender se a operação ao longo do tempo nas camadas de sal, localizadas a cerca de 900 e 1.200 metros de profundidade, poderia causar algum tipo de dano à estrutura da superfície.
Todos os estudos realizados até 2019 por empresas internacionais não apresentaram evidências de subsidência relevante, ou seja, de afundamento do solo nas proximidades dos poços. Somente em 2019, medições de deslocamento de solo por interferometria (medição realizada por satélite) apontaram valores de subsidência relevantes, passando-se a investigar se havia alguma imprecisão nos métodos de monitoramento de movimentação de terreno, por topografia convencional, empregados até então.
Em maio de 2019, a Braskem paralisou toda a operação de extração de sal em Maceió. Naquele momento, dos 35 poços existentes na região, somente 4 estavam em atividade. No mesmo ano, a empresa anunciou o fechamento definitivo dos poços na região. O plano de fechamento das frentes de lavra foi apresentado às autoridades públicas e aprovado pela Agência Nacional de Mineração. As ações de preenchimento com material sólido (areia) e de fechamento convencional (com tamponamento e consequente pressurização) foram definidas com base em recomendações de instituições independentes e especialistas de renome nacional e internacional, e a execução de suas etapas vem sendo compartilhada, mensalmente, com a ANM.
Os trabalhos preparatórios para fechamento das frentes de lavra foram iniciados ainda em 2019, logo após a paralisação das operações de extração de sal, com a execução das etapas preliminares de fechamento, a exemplo dos estudos sobre as técnicas mais adequadas para cada poço e ações de tamponamento provisório. Atualmente, dos 35 poços de sal, todos com atividades de extração de sal encerradas, 16 estão sendo tamponados (14 já iniciados); 4 serão preenchidos com areia (2 com processo já iniciado); e em 5 poços estão sendo finalizados estudos que apontam que já houve estabilização natural. Outros 10 estão sob monitoramento conforme recomendação dos especialistas e aprovação da ANM. Todos os poços são permanentemente monitorados com instrumentos de alta tecnologia.
A Braskem reitera que cumpre todas as exigências dos órgãos competentes, com relatórios periódicos de monitoramento das frentes de lavra dos poços de sal, que são encaminhados para a Agência Nacional de Mineração (ANM) e relatórios de cumprimento de condicionantes, encaminhados ao Instituto do Meio Ambiente (IMA), conforme previsto em lei.
A prioridade da Braskem é a segurança dos moradores, comerciantes e empresários dos bairros atingidos pelo fenômeno geológico em Maceió, propondo e realizando ações com essa finalidade.”
*Esta reportagem faz parte da série Contradições do ESG, que pode ser republicada desde que citando-se créditos dos autores e da Agência Nossa, nos termos e condições da licença Creative Commons de compartilhamento e uso não comercial.