Um novo Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) começa a vigorar neste ano com mudanças que devem dar mais peso ao pilar social do ESG. Além de aumentar a transparência, a nova metodologia promete equilibrar as três letras da sigla em inglês — social, ambiental e de governança corporativa — na hora de avaliar companhias de capital aberto, afirma o Superintendente de Sustentabilidade da B3, César Tarabay Sanches.
“Essa nova versão está bem equilibrada; leva em consideração tanto o E, quanto o S e o G”, disse ele à Agência Nossa.
Nesta reportagem mostramos as questões sociais que foram incluídas; as empresas que entraram na carteira — e as que saíram — bem como a opinião de especialistas em ESG sobre a nova metodologia.
Entre os novos temas do pilar social estão: acessibilidade técnica e econômica (assunto aplicado apenas a determinados setores no questionário) e segurança dos dados (aplicável a todos os setores).
No novo questionário do ISE que serve de base para avaliação das empresas, duas dimensões e 11 temas correspondem ao pilar social. Na metodologia anterior, o social respondia apenas por uma dimensão e cinco temas. Um salto expressivo no que diz respeito ao número de temas e participação no índice.
De maneira geral, a nova metodologia do ISE aborda 5 dimensões divididas em 28 temas, abordadas no novo questionário: Capital Humano; Governança Corporativa e Alta Gestão; Modelo de Negócio e Inovação; Capital Social e Meio Ambiente.
Na dimensão Capital Humano, o questionário investiga práticas trabalhistas; saúde e segurança do trabalhador; engajamento, diversidade e inclusão dos funcionários. São temas aplicáveis a todas as companhias no questionário.
Já na dimensão do Capital Social há oito temas: direitos humanos e relações com a comunidade; investimento social privado e cidadania corporativa; acessibilidade técnica e econômica; qualidade e segurança do produto; práticas de venda e rotulagem do produto; bem-estar do cliente; privacidade do cliente e segurança dos dados.
A maioria destas temáticas são consideradas específicas. Dos oito temas, apenas três são aplicados a todos os setores, enquanto cinco possuem questões para determinados segmentos.
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As questões são de múltipla escolha, na dimensão de Capital Humano, dentro da temática Engajamento, Diversidade e Inclusão dos Funcionários é possível encontrar questões como: percentual de funcionários que ocupam cargos de gerência, diretoria e de primeiro nível (C-level) considerando critérios de gênero. Há também uma questão semelhante, referida a critérios de raça/cor.
Já na dimensão do Capital Social, no tema Segurança dos Dados há questões como: a companhia dispõe de seguro que contemple a perda, vazamento e fraudes envolvendo os dados que coleta e armazena?
E na temática de Acessibilidade Técnica e Econômica é possível encontrar questões diversas, por exemplo, as práticas adotadas pela companhia em casos de inadimplência ou impossibilidade econômica de acesso a seus produtos e serviços.
As questões desta temática não são aplicáveis a todos os setores. Empresas de aluguel de carros, água e saneamento, serviços educacionais, entre outros, integram esta categoria.
Mais simples
O questionário foi simplificado atendendo a um pedido do mercado. O total de perguntas diminuiu de 337 para 259 questões.
“O questionário ficou mais simples, direto, transparente e intuitivo (…) Nem todas as empresas vão responder às 259 questões. Uma empresa do setor financeiro vai responder os 14 temas gerais e 7 específicos, isso dá em média 120 questões”, explica César Tarabay Sanches, superintendente de Sustentabilidade da B3.
Na versão antiga, o ISE apresentava 7 dimensões: Geral; Natureza do Produto; Governança Corporativa, Econômico-Financeira; Ambiental; Social e de Mudanças Climáticas. Estas, por sua vez, consideravam, juntas, 34 temas.
CDP entra na avaliação
A antiga dimensão de Mudanças Climáticas foi excluída do questionário e passa a ser avaliada pelo CDP (Carbon Disclosure Project), que atribui às companhias um score CDP-Clima.
Cada dimensão, incluindo a do CDP, tem um peso de 16,67 pontos. No total, o questionário e a nota CDP representam 100 pontos.
Ainda no pilar ambiental, a dimensão do Meio Ambiente presente no questionário, responde por seis temas: um geral que é Políticas e Práticas de Gestão Ambiental. E outros cinco temas específicos para determinados setores tais como Impactos ecológicos; gerenciamento de energia; gestão de água e efluentes líquidos; gestão de resíduos e materiais perigosos e qualidade do ar.
Tanto a dimensão do Meio Ambiente como a nota do CDP compõem o pilar Ambiental do questionário.
Governança
Em relação ao pilar de Governança Corporativa o questionário conta com a dimensão de Governança Corporativa e Alta Gestão composta por seis temas gerais, aplicados a todos os setores, são estes: fundamentos de gestão e sustentabilidade empresarial; gestão de riscos; práticas de governança corporativa; ética nos negócios; manutenção no ambiente competitivo e gestão dos ambientes legal e regulatório.
Há ainda 5 temas mais específicos que podem se relacionar com questões de governança, no entanto presentes na dimensão de Modelo de Negócio e Inovação.
Nova Carteira
A primeira carteira oficial do novo ISE entrou em vigor no dia 3 de janeiro e segue até o final do ano, reunindo 46 ações e 27 setores. O rebalanceamento da carteira ocorre quadrimestralmente.
Até o final do ano integram esta nova carteira: AES Brasil Energia, Americanas S.A., Ambipar, Arezzo, Azul, Bradesco, Banco do Brasil, BTG, Braskem, BRF, CCR, Cemig, Cielo, Copel, Cosan, CPFL, Duratex, Ecorodovias, EDP, Engie, Fleury, Itaú Unibanco, Itaúsa, Iochpe Maxion, Klabin, Light, Lojas Renner, M Dias Branco, Magazine Luiza, Minerva, Movida, MRV, Natura, Neoenergia, Pão de Açúcar, Raia Drogasil, Rumo, Santander, Simpar, SulAmérica, Suzano, Telefônica, Tim, Via Varejo, Vibra e Weg.
Entre as exclusões do ISE estão companhias controversas, conhecidas pelo seu impacto climático, entre estas: Marfrig, Petrobras, companhias do setor elétrico como Eletrobras.
A varejista Assaí e a credenciadora de cartões GetNet também ficaram de fora.
Enquanto outras companhias tiveram suas ações ordinárias (ON) retiradas e seus papéis preferenciais (PN) mantidos no índice. É o caso de Bradesco, Itaú, Copel e Cemig. Já as Lojas Americanas, que recentemente anunciou a fusão das suas ações e reorganização societária, teve a exclusão das ações LAME3 e LAME4 no ISE, mantendo apenas o código AMER3 na carteira.
Entre as companhias que ingressaram no índice estão Raia Drogasil, Rumo, Ambipar, Arezzo, Azul, Magazine Luiza, a holding Simpar, SulAmérica e Via Varejo. Retornou também a Braskem, que tinha sido removida do ISE em 2021 e esteve envolvida em desastre ambiental com o afundamento de bairros inteiros em Maceió.
Preocupações
Entre as respostas extraídas do questionário ISE foi perceptível uma maior preocupação das empresas com temas de diversidade e outros do pilar social.
Em relação a diversidade, por exemplo: 99% das empresas apontaram que oferecem aos seus funcionários mecanismos de denúncia para casos de racismo, discriminação, homofobia e qualquer tipo de preconceito contra grupos minoritarios.
Enquanto 93% citaram que possuem uma área focada em ações de diversidade e inclusão. Sobre os conselhos de administração, 48% das companhias apontaram priorizar a diversidade no board.
Ainda no conselho de administração, 78% das empresas afirmaram ter pelo menos 1 conselheira mulher, 11% apontaram ter pelo menos um conselheiro negro e 4% tem algum representante LGBTQIA+ como membro titular no conselho.
Em relação a direitos humanos e comunidade local, todas as empresas afirmaram ter ações para erradicar o trabalho forçado, enquanto 99% apontaram ter ações para erradicar o trabalho infantil assim como mecanismos para ajudar a comunidade local.
ODS prioritárias
As três ODS com maior percentual de priorização pelas companhias foram: ODS 13 (tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos) apontada por 78% das empresas. ODS 8 (promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos) citada por 73% das companhias.
E na terceira posição a ODS 9 (construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação) apontada por 69% das empresas.
Criado em 2005, esta não é a primeira reformulação do ISE no decorrer destes 16 anos, mas segundo a B3 é a mudança mais importante pela transparência que ela traz ao investidor. O ISE já foi muito criticado no passado por agentes de mercado ao inserir na sua carteira companhias envolvidas com conflitos de greenwashing (lavagem verde) por exemplo.
Mais transparência
Segundo Fábio Alperowitch, gestor da FAMA Investimentos, o novo ISE representa um grande avanço quando se trata da transparência e mais governança no índice.
No entanto, ele faz uma analogia da nova carteira com um bolo, e defende que só será possível saber se a receita ficou boa quando experimentarmos. “Os ingredientes que estão lá, mantendo a analogia do bolo são muito melhores que os anteriores. Ainda tem coisas das quais discordo, mas o ISE está muito melhor, porém só será possível dar uma opinião com a carteira oficial”, defende.
Para Filipe Ferreira, diretor da Comdinheiro, a vantagem do novo ISE frente ao seu primo o índice S&P/B3 Brasil ESG, que também leva em conta os pilares social, ambiental e de governança, é que o ISE vai divulgar publicamente as respostas dos questionários e a pontuação obtida pelas companhias em cada pilar e tema, incluindo aquelas que não classificarem. “Isso será um incentivo de boas práticas para outras empresas”, afirma.
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Enquanto o S&P/B3 Brasil ESG não divulga publicamente a sua carteira e nem as pontuações das companhias em cada pilar. “Isso é um baita problema! Como vamos falar de sustentabilidade, governança sem ver o índice?”, questiona Ferreira.
Para conseguir a aceitação do mercado com o novo ISE, o Superintendente de sustentabilidade da B3, afirma que foi necessário consultar diversos stakeholders e agentes de mercado, estes contribuíram com 1278 apontamentos, dos quais foram incorporados 55% na nova versão do ISE. “O ISE ficou mais simples e transparente, um pedido dos stakeholders.”, afirma Tarabay.
Extinção do Conselho gera polêmica
Apesar das melhorias, existem dois pontos que geram debate no mercado. O primeiro é o fim do Conselho Deliberativo do ISE (CISE), que era formado por 11 instituições do mercado financeiro e de capitais, entre estas Anbima, Apimec e IBGC. O CISE contava também como uma parceria técnica com o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encarregado da elaboração do questionário.
A missão do CISE era aprovar a inclusão ou exclusão de uma companhia no ISE em caso de conflitos.
Segundo Tarabay, na nova versão do ISE, o CISE deixou de existir em função da nova metodologia. A B3 apontou que quem determina a inclusão ou exclusão de uma companhia no índice é a B3, por meio de um Comitê Interno e com apoio da plataforma de risco reputacional RepRisk.
Novos critérios
De acordo com a B3, o monitoramento feito pelo RepRisk será usado de duas formas: a primeira é como critério de inclusão na carteira do ISE onde serão aceitas companhias com no máximo 50 pontos na avaliação Peak RRI. E o segundo uso será como mecanismo de acompanhamento das empresas do ISE B3, identificando eventos que possam configurar uma crise reputacional, permanência das empresas na carteira e eventual exclusão.
Para alguns especialistas em ESG, como Roberto Gonzalez, sócio-diretor da Ibluezone Governança Corporativa e Soluções Associadas, que esteve presente nos primeiros grupos de estudo que dariam lugar a criação do ISE em 2005, o fim do CISE alerta sobre um risco de concentração de poder na B3. “Na minha opinião uma das riquezas do ISE era ter um conselho diverso, com poder de veto. Neste aspecto o Brasil está dando um passo atrás”, critica.
Para outros, como Fábio Alperowitch, gestor da FAMA Investimentos, a mudança foi necessária. Segundo ele, há muito tempo o trabalho feito pelo conselho deliberativo era “zero transparente”.
Setorização do índice
Outro ponto de debate é o formato best in class do índice, que inclui as melhores companhias no âmbito ESG de cada setor, mesmo daqueles considerados controversos. Em consequência, nenhum setor é proibido de entrar no índice, desde que atenda aos critérios estabelecidos na metodologia e tenha boa pontuação.
Segundo a B3, setores controversos também podem apresentar boas práticas ESG. Por este motivo, o propósito do ISE é que as empresas possam aparecer e mostrar as suas ações, com fins educativos e de procura por melhorias.
Alguns exemplos deste formato best in class podem se refletir na presença de frigoríficos como BRF e Minerva no índice, enquanto seus pares no setor foram excluídos.
Para Gonzalez e Alperowitch, o mercado de capitais brasileiro ainda é muito imaturo para adotar um formato best in class, principalmente pela quantidade menor de empresas listadas e setores existentes na bolsa brasileira se comparado com outras bolsas pelo mundo. “Se tivessem 30 empresas em cada setor, a ideia de investir nas melhores seria aceitável. Mas em um setor com 2 ou 3 representantes não faz sentido algum”, aponta Alperowitch.
Já o especialista Filipe Ferreira é contra impedir alguma companhia de participar do ISE, ele acredita que o mercado de capitais brasileiro ainda seja muito imaturo como para fazer um picking (escolha) das empresas. Segundo o diretor da Comdinheiro, do ponto de vista ativista esta exclusão pode ser mais simbólica, mas considerando objetivos de longo prazo, se empresas relevantes são excluídas do ISE na largada, estas podem criar aversão ao índice, expulsando este do mercado, o resultado seria a perda de relevância do ISE no debate ESG.
Edição de Sabrina Lorenzi