O fogo que queimou um terço do Pantanal em 2020 destruiu o pasto onde seu Silas trabalhava, em uma fazenda próxima ao quilômetro 110 da rodovia Transpantaneira, no Mato Grosso. Mas o trabalho de voluntários incansáveis salvou, entre os animais sobreviventes, o búfalo Pirata – um macho adulto de 250 quilos. O animal sofreu severas queimaduras e teve o corpo coberto de muitos machucados.
Nesta reportagem mostramos alguns desses heróis do pantanal e suas lições para um ano novo sem tanto sofrimento para os animais e o meio ambiente.
A bombeira civil Marilym Nascimento, 28 anos, foi uma das mil pessoas que doaram tempo, coragem e amor para resgatar mais de 200 animais que por pouco não sucumbiram às chamas da maior tragédia da história do Pantanal. Com dois veterinários e ajuda do caseiro Silas, a bombeira resgatou o búfalo Pirata.
Os primeiros socorros de Pirata foram complexos, com remédios para dor e cuidados nas muitas queimaduras. Pelo tamanho do búfalo e a gravidade dos ferimentos, o tratamento especializado sairia caro. A equipe de resgate do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD), uma das principais frentes de resgate no Pantanal atualmente teve a ideia de postar um vídeo nas redes sociais para mobilizar internautas e conseguir custear os procedimentos.
O Instituto Luisa Mell, uma das grandes ONGs do país de proteção animal, atendeu ao chamado e patrocinou os gastos para a recuperação do animal. Pirata, após uma sedação leve, foi encaminhado para a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), para onde são encaminhados os animais resgatados que necessitam de tratamento. Ele foi transportado em um caminhão baú coberto por feno e até hoje passa por tratamento para recuperar a força nos cascos.
“No começo ele não estava nem levantando, e antes da gente ir embora, depois do tratamento inicial, ele levantou e lambeu a gente. Acho que ele estava agradecendo tudo que estávamos fazendo por ele”, contou a bombeira à Agência Nossa.
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Entre as dezenas de animais salvos do fogo, o grupo tratou também de uma cobra da espécie sucuri amarela. Resgatada pelo ICMBio em outubro deste ano e entregue ao GRAD. Marilym e o veterinário Eutálio Pimenta participaram do procedimento.
Muito queimada por conta do incêndio, a cobra foi lavada, passou por nebulização, hidratação nos olhos, medicação para dor e fez tratamento com pele de tilápia para as queimaduras durante dois dias no PAEAS até sua estabilização. A recuperação foi bem sucedida e, de acordo com a bombeira, a cobra já deve ser levada de volta ao bioma.
Para a médica veterinária Cristina Adania, que passou todo o mês de setembro em campo no Pantanal após mobilização da UFMT e da Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso, a expectativa era de resgatar muitas espécies.
“A gente viu muitos animais mortos. Você pensa na história do bicho, como é que ele veio parar aqui, para onde ele vai, o que que ele sofreu ou não, as expectativas de soltura, às vezes a gente consegue, outras vezes não. O que a gente viu foi muito sofrimento (…) A gente via muitos esqueletos, por exemplo de bandos de queixadas, todos morrendo ali juntos. Por que? Porque a gente via rastros, eles indo para um lado e não conseguiam sair porque tinha fogo, iam para o outro lado e não tinha saída e aí morriam todos juntos”, desabafa.
Coordenadora de Fauna da Associação Mata Ciliar, Adania encarou muitos animais mortos por causa de queimaduras, desidratação, infecções e atropelamentos, já que muitos deles, ao fugir das queimadas, alcançam as estradas. Apesar disso, durante o período trabalhado, Adania conseguiu resgatar 19 animais e quase metade conseguiu retornar ao bioma. Ela acredita que para o país melhorar na questão ambiental, falta reaver as leis de proteção e suas flexibilizações mais recentes.
“Nestes últimos anos, o que a gente tem visto é um abrandamento das leis de proteção ambiental, de proteção da fauna (…). Eu acho que com esse abrandamento o que a gente mais vê são as queimadas, os desmatamentos, o tráfico de animais e a caça voltando”, avalia a médica veterinária que coordena a organização.
Enfraquecimento de leis e órgãos ambientais
O decreto federal 9.760, de abril de 2019, representa um desses afrouxamentos e determinou a criação do Núcleo de Conciliação Ambiental, um grupo responsável por avaliar multas dos órgãos fiscalizatórios para a realização de acordos antes de contestações judiciais.
Além de aliviar punições a crimes contra o meio ambiente por meio de decretos como este, o governo atual é acusado por ongs de asfixiar órgãos ambientais com falta de recursos e desmantelamento de suas estruturas.
No caso do pantanal especificamente, demorou meses para agir e enviar brigadistas. E quando enviou, o número de brigadistas teria ficado bem aquém do necessário para dar conta do fogo, segundo especialistas, que tomou conta de uma área equivalente ao estado do Rio de Janeiro.
“Faltou trabalho preventivo e resposta imediata quando os incêndios ainda podiam ser controlados, desde o primeiro semestre do ano. Vimos muitas ações individuais de agentes públicos, mas é nítido que o governo federal, do presidente Jair Bolsonaro, falhou de maneira deliberada no seu dever constitucional de proteger os recursos naturais do país e o Pantanal vem pagando um preço alto por isso.”, diz Cristiane Mazzetti, da campanha de florestas do Greenpeace Brasil
Em resposta à Agência Nossa, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), informa que aproximadamente 300 brigadistas combateram as queimadas nas regiões de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao longo deste ano, entre algumas dessas brigadas atuando de forma permanente no Pantanal. “Houve ainda suporte de vários entes do governo federal (Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Forças Forças Armadas…) tanto no combate às queimadas quanto para os programas de resgate de fauna na região”, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa..
Desde janeiro, o Pantanal registrou, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 21.772 focos de incêndio até 15 de novembro deste ano, um recorde desde o início da série histórica em 1998 e um aumento de 130% comparado ao mesmo período em 2019.
O resultado disso foi a alteração nas cadeias de todo bioma e ameaça para as espécies, que noite e dia precisam ser amparadas com fornecimento de água e alimentos. O fogo destruiu a flora que alimentava os animais e sua recuperação requer tempo.
Água e alimentos
Médico veterinário e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Eutálio Pimenta conta um pouco sobre a complexa operação para distribuir alimentos no pantanal e salvar milhões de animais. Ele participou como voluntário do GRAD entre setembro e outubro.
O veterinário relata que foi feito um georreferenciamento, com apoio também da Marinha, de 20 quilômetros ao entorno de toda a transpantaneira. Foram colocados cochos em pontos da rodovia para alimentação dos animais, além do lançamento de alimentos por via aérea, dos helicópteros da Marinha.
De acordo com governo do Mato Grosso (MT) foram distribuídos mais de sete milhões de litros de água e 80 toneladas de alimentos em mais de 17 mil pontos estratégicos até novembro.
Números da tragédia
O PAEAS, em atividade desde 30 de agosto em todo o estado, atendeu aproximadamente 207 animais durante o período de incêndios florestais em conjunto com os esforços de órgãos do governo estadual, federal, terceiro setor e instituições privadas. Além dos tratados no posto, diversos animais silvestres foram atendidos em diferentes pontos do Pantanal pelas equipes.
Em nota à Agência Nossa, a Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT) afirma que não se tem ainda uma estimativa do número total de animais mortos durante os incêndios.
“A maior dificuldade enfrentada nos resgates desses animais é a logística. É muito complicado, é tudo muito longe e as pontes às vezes não têm muita qualidade para a gente poder passar”, ressalta a bombeira.
Esta reportagem continua em Como ajudar os animais do Pantanal (eles ainda precisam)
Edição de Sabrina Lorenzi