A expansão do agronegócio na nova fronteira agrícola de Matopiba (que reúne terras dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) está provocando desemprego entre trabalhadores rurais na região, sobretudo pequenos produtores e agricultores familiares. Um conflito agrário e socioambiental que emergiu das lavouras da região tem provocado movimento de êxodo de trabalhadores rurais do Maranhão em direção ao Pará.

De acordo com o representante da Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão (FETAEMA) Tiago Peixoto, uma explosão de casos envolvendo conflito agrário e socioambiental tomou conta da região.

“Estamos sofrendo um ataque muito grande às terras da agricultura familiar devido ao projeto Matopiba. O avanço do agronegócio está muito forte e o êxodo dos trabalhadores rurais vem sendo a única opção. Nesta semana, por exemplo, no povoado Gleba do Vilela, no município de Junco do Maranhão, atearam fogo criminosamente em um paiol”.

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Nesta região, em um dos municípios mais pobres do Brasil, alguns agricultores familiares já foram assassinados como represália a disputas por terras. Um casal de trabalhadores foi encontrado morto, com tiros, em junho.

A regularização do território ocupado há vinte anos pelos trabalhadores já foi protocolada pela federação há uma década, mas o conflito continua, sem uma resposta das autoridades.

O temor pela vida tem levado agricultores a desistir de suas terras e migrar em busca da sobrevivência.

Lavradores maranhenses, por exemplo, foram parar em um garimpo no Pará que recentemente foi alvo de uma operação que os resgatou de condições análogas às de escravidão.

Matopiba é a nova fronteira agrícola de culturas como soja e milho. Foto: Divulgação/SCF

“O êxodo de trabalhadores do Maranhão para o Pará, em busca de dinheiro rápido e, na concepção deles, mais fácil, está ocorrendo por conta do desemprego em larga escala de lavradores que não encontram trabalho na sua atividade, em razão dos latifúndios de soja e milho que estão fazendo desaparecer as pequenas propriedades rurais”, explicou a subprocuradora-geral do MPT, Edelamare Melo.

No final de julho e início de agosto, 80 trabalhadores foram resgatados em garimpos clandestinos em Ourilândia do Norte, no sudeste do Pará. A maioria deles era do estado do Maranhão. No mesmo dia do flagrante, o grupo foi encaminhado para Ourilândia e Marabá, para que os que tivessem interesse pudessem retornar para as suas cidades de origem.

A Operação 1.200, realizada pela Polícia Federal (PF), com participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF), encontrou os empregados em alojamentos improvisados na mata, sem acesso à água potável, banheiro ou alimentação adequada.

Trabalho escravo

Os operários também sofriam com jornadas de trabalho desgastantes, sem qualquer proteção física ou contrato trabalhista. Entre os 80 resgatados, sete eram mulheres. Havia ainda três adolescentes, filhos da cozinheira do local, e uma criança de 1 ano e 6 meses, filho de uma outra trabalhadora.

As condições precárias e violadoras de direitos foram confirmadas pelos membros do MPT e da Polícia Federal. Os funcionários estavam alojados em barracões improvisados, cobertos com lona e palha, sem fechamento lateral, expostos a riscos nas áreas de vivência, e em situação de vulnerabilidade. As necessidades fisiológicas eram feitas no mato ou em um banheiro improvisado com lona, com um buraco no chão, sem cobertura, higiene e privacidade.

Não havia também um local adequado para o preparo e armazenamento dos alimentos, alguns deles, inclusive, estavam no chão. A água para consumo, preparo dos alimentos e higiene era proveniente de uma grota, uma espécie de cavidade que acumula a água das chuvas, sem qualquer potabilidade.

Foi constatada ainda a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), material de primeiros socorros que, conforme a legislação, devem ser fornecidos pelo empregador sem custo para o empregado. Os trabalhadores relataram ainda que não receberam treinamento para o exercício das atividades perigosas e de risco desempenhadas nos garimpos.

Maioria dos garimpeiros resgatados no Pará era de agricultores no Maranhão. Foto: Divulgação MPT/Pará

De acordo com a servidora MPT Edelamare Melo, que participou da operação em conjunto com o procurador do trabalho Acir Hack, os operários não informaram os nomes dos proprietários dos garimpos, se referindo a eles, em alguns casos, apenas pelo apelido que são conhecidos, o que dificulta a adoção de medidas judiciais.

“Por se tratar de garimpos ilegais, tivemos dificuldade de identificar os empregadores, mas as investigações seguem junto à Delegacia da Polícia Federal de Redenção”, afirmou a procuradora.

Além de combate ao trabalho escravo, a ação da PF tinha como foco o combate a crimes ambientais e extração ilegal de minérios no Pará. Em um segundo alvo da operação, onde cerca de 20 trabalhadores foram encontrados, todos receberam o pagamento pelos dias trabalhados.

O montante foi calculado com base no salário mínimo, já que os empregados tinham poucos dias no garimpo. Eles eram remunerados por produção e com pagamento em ouro, ou seja, se nada fosse produzido, nada recebiam. Nos demais garimpos não houve pagamento, pois os empregadores não foram identificados ou se evadiram no momento da fiscalização.

Desde 2019, as áreas das propriedades rurais fiscalizadas e as de seu entorno, pertencentes à União, estão sendo exploradas ilegalmente por garimpeiros. Nos locais também foram encontradas armas e munições, além de máquinas de uso na atividade mineradora que foram apreendidas pela Polícia Federal, ou destruídas no local dada a impossibilidade de remoção e a possibilidade de reutilização para a extração ilegal do ouro. Todos os garimpos foram desativados. A ação contou com a participação de mais de 100 policiais federais, dois procuradores do MPT e um procurador da República.