Ao expor suas preocupações com o programa Auxílio Brasil — novo nome que o governo pretende dar ao Bolsa-Família –, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirma que liberar crédito consignado no programa será como abrir uma porta apenas de entrada, sem saída ao endividamento.
“Além do endividamento, a Medida Provisória traz possibilidades de perda do benefício que não estavam previstas no formato anterior, como a descontinuidade após 24 meses para famílias que ultrapassarem o critério do teto de renda por pessoa, que ainda sequer foi estabelecido. Mas, mesmo tendo sido desligada, a obrigação de pagar o empréstimo continua. Ou seja, a família sairá do programa endividada”, afirma a economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec, Ione Amorim.
Para os economistas do instituto, a medida só beneficiará o sistema financeiro. O Idec sugere ao Congresso Nacional que retire o item que permite o endividamento da população vulnerável.
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O Idec repudia especialmente o tópico que permite a liberação de 30% do valor do benefício para o pagamento mensal de empréstimos e financiamentos, uma medida que, segundo a instituição, pode comprometer os objetivos desta política pública e agravar o endividamento dos brasileiros, que hoje já está em um patamar de 60 milhões de pessoas no País.
O Auxílio Brasil foi apresentado pelo governo federal no início do mês ao Congresso Nacional como substituto do Bolsa Família. O governo pretende aumentar o valor do auxílio, o que é visto como fator positivo pelo Idec e outros especialistas. Mas de uma maneira geral, segundo eles, o programa piora, em vez de melhorar, o quadro de pobreza no Brasil.
“Embora haja propostas desejáveis, como o aumento do valor do benefício, há evidentes retrocessos na proposta que, em um contexto econômico já fragilizado, pode afetar especialmente a população mais vulnerável, estimular o endividamento das famílias e a comprometer os objetivos do programa, que é buscar a garantia da segurança alimentar de milhões de famílias em estado de extrema pobreza”, diz trecho do informe.
Para o Idec, além do Auxílio Brasil não resolver problemas estruturais já conhecidos de especialistas, como a fila de espera e a consolidação das regras para atualização do benefício, também há um estabelecimento da possibilidade de reavaliação periódica dos valores referenciais para caracterização de situação de pobreza e as idades indicadas como público alvo do novo programa, sem explicar de forma clara e precisa como essa reavaliação será feita.
O setor financeiro, que já é notoriamente conhecido por condutas irregulares na operação do crédito consignado, recentemente, foi alvo de diversas condenações pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para o pagamento de multas devido a abusos e assédio aos beneficiários do INSS. Esta questão, somada ao vazamento de dados que expôs milhões de consumidores em plena pandemia, constrói um cenário preocupante, de acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
“É uma situação conhecida, que já afeta milhões de brasileiros e brasileiras. Vamos então abrir mais essa frente de possibilidade de abusos, expondo as pessoas mais vulneráveis?”, questiona Amorim.
A nota pública é finalizada com uma sugestão ao Congresso Nacional da retirada do que o instituto vê como um “retrocesso”.
“O Programa Bolsa Família é de extrema relevância e pode ser aprimorado, incluindo o aumento nos valores repassados aos beneficiários. No entanto, em alguns aspectos, a MP compromete conquistas relevantes. É o caso do incentivo ao endividamento, com o comprometimento de um benefício de natureza alimentar, em benefício exclusivo das instituições bancárias. No percurso da conversão da Medida Provisória em Lei, este retrocesso deve ser evitado pelo Congresso Nacional, com a supressão do artigo 23”