Depender de aplicativos de transporte como Uber para se locomover ficou mais caro e demorado nas últimas semanas. Pressionados pela forte alta dos combustíveis e dos aluguéis dos carros, motoristas destas plataformas têm cancelado corridas que não compensam, elevando o tempo de espera e reduzindo a paciência dos usuários.
Pesquisa realizada pela Agência Nossa com 70 entrevistados registrou que 77,6% dos clientes da plataforma mais conhecida para corridas por aplicativo, a Uber, perceberam aumento no tempo de espera por um motorista.
Já para 59,2% dos entrevistados, o preço pago por corridas também cresceu. E no que diz respeito à qualidade prestada pelo serviço nas últimas semanas, quase metade dos entrevistados (48,7%) considerou que houve piora.
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Estudante de publicidade propaganda, Paulo Victor Brasil trabalha na Uber há quase 4 anos. Utiliza o gás natural (GNV), que teve um aumento de 33% no último ano — puxado, mas ainda abaixo dos reajustes de outros combustíveis como a gasolina (39%).
“Os motoristas estão tendo que trabalhar com algumas estratégias e filtragem de corridas, para obter um padrão de renda mínimo e gastar menos combustível possível”.
Uma dessas estratégias é cancelar corridas que têm o usuário a maiores distâncias do local em que o motorista está localizado, por causa do consumo de combustível, segundo relatos ouvidos pela Agência Nossa.
Menos corridas
O presidente da Associação Intermunicipal dos Motoristas por Aplicativo – AIMAP Fernando Vieira diz que o número de corridas acabou sofrendo uma baixa, “mas já está voltando ao normal”.
Segundo ele, muitos motoristas buscaram outra atividade devido à pandemia e às taxas cobradas pelos aplicativos em cima do ganho bruto dos motoristas.
“Todo aumento que afeta diretamente a execução do trabalho causa um ganho final menor. O impacto está sendo grande, e muitas vezes injustificável; o GNV, que é o combustível mais usado, sofreu um aumento e não tem influência do mercado externo como a gasolina. E esse aumento no preço dos combustíveis também impactou as pessoas que possuem carro próprio. Se colocar na ponta do lápis, sai mais barato usar um transporte por aplicativo do que manter um carro.”
Os motoristas defendem uma taxa menor sobre os ganhos e um aumento que acompanhe o aumento dos combustíveis e a inflação.
“Os aplicativos até estão dando incentivos em corridas de diversas formas, mas, no fim, ainda cobram porcentagem em cima do ganho do motorista”, afirma.
“Há meses ou há anos as tarifas não são justas. E para piorar vem o aumento dos combustíveis. Conheço alguns motoristas que estão desestimulados e deixaram de rodar na Uber e na 99 por conta dos descontos absurdos que essas plataformas praticam”, avalia Tiago Soares, que trabalha em aplicativos de transporte para gerar renda extra.
Plataforma anuncia medidas
Procurada pela Agência Nossa, a 99 informou que reajustou os ganhos dos motoristas entre 10% e 25%, subsidiado integralmente pela plataforma, e que já está ativo em 20 regiões metropolitanas de todo o País, com expansão prevista para os próximos meses.
“Os novos valores levam em consideração o impacto negativo do aumento dos combustíveis sobre a categoria, considerando a manutenção do equilíbrio da plataforma. O objetivo é continuar oferecendo uma fonte de ganho para os motoristas parceiros e um meio de transporte financeiramente viável, seguro e eficiente para a população. Considerando o compromisso com os nossos parceiros, a 99 lançou ainda um pacote de ações que prevê, entre outras iniciativas, o repasse integral do valor da corrida aos parceiros em localidades e horários específicos”, diz nota da plataforma.
Questionada sobre o aumento no tempo de espera, relatada em pesquisa realizada pela Agência Nossa, a 99 alegou ainda não ter registrado alteração no número de motoristas cadastrados, porém, desde o início da pandemia, observou um aumento na demanda por carros de aplicativos, o que poderia ocasionar um maior tempo de espera na plataforma em horários e dias nos quais há aumento da procura.
A Uber também foi procurada pela reportagem, porém não enviou uma resposta até o fechamento desta matéria.
Preço de aluguel de carro dispara
Para o motorista Paulo Victor, um dos fatores que mais pesaram para os motoristas que trabalham no aplicativo com carro que não é próprio é o aluguel, e isso gerou um grande número de motoristas que financiaram um veículo ou saíram da plataforma.
A visão do estudante de publicidade está correta. O aluguel de veículos subiu 30,58% nos últimos doze meses. Já o aumento para a compra de automóvel usado ficou em 12,48%, enquanto o da compra de um automóvel novo ficou em 9,76%.
“Conheço alguns que voltaram a trabalhar, mesmo tendo renda fixa ou seu próprio negócio, por conta da Let’s, que nos dá 100% dos lucros e o controle sobre o nosso aplicativo, coisa que a Uber nunca nos deu”.
Novo aplicativo anima
O aplicativo Let’s, iniciativa da Associação Intermunicipal dos Motoristas por Aplicativo – AIMAP começou a funcionar há pouco mais de 2 meses e já promete ser um grande concorrente no mercado. A plataforma está cadastrada na Secretaria de Economia Solidária de Niterói e alega que o lucro fica 100% com o motorista. As taxas para o usuário não se distinguem muito das de outros apps.
“A Let’s surgiu para suprir uma demanda de reclamações dos motoristas. E nós nos reunimos, em uma associação sem fins lucrativos e de autogestão, para podermos mudar esse quadro de trabalho que escraviza o motorista. A Let’s, assim como a associação, tem por premissa a iniciativa de distribuição de renda mais justa, e somos adeptos da economia solidária. Embora os aplicativos sejam muito parecidos, estamos melhorando cada dia mais junto com os motoristas”, expõe o presidente da AIMAP, Fernando Vieira.
Vieira explica que o aplicativo funciona em todo o estado do RJ, mas roda principalmente em Niterói, São Gonçalo e Maricá. O total de motoristas já ultrapassa 5.000 pessoas.
“Decidimos começar por Niterói para termos um embrião de sucesso e expandir com mais consistência. Estamos com bastante corridas, e aumenta a cada dia, só dependendo do condutor. Os motoristas, em sua maioria, estão gostando, mas ainda não chegamos no patamar que buscamos no que diz respeito à funcionalidade perfeita do app. Porém vamos chegar!”, finaliza Fernando.
O motorista Thiago Soares conta que a maior escuta por parte do aplicativo, em relação aos outros existentes, é um dos motivos para os motoristas terem abraçado a plataforma.
“Decidi trabalhar com a Let’s porque, primeiro, paga 100% dos lucros para o motorista, o que torna viável novamente a profissão. Segundo, tem 21 grupos de WhatsApp, além de grupo no Telegram, onde nós temos acesso fácil ao suporte, à presidência, à diretoria, onde nós podemos reclamar, aconselhar, indicar falhas, ou seja, nós não falamos com robôs, falamos com pessoas, com amigos. Por isso, com certeza o serviço é bem melhor, bem mais vantajoso financeiramente e bem mais prazeroso”.
Renda reduzida
O motorista de aplicativo Ewerton Ferreira trabalha de forma fixa nas plataformas 99 e Uber há cerca de 6 meses. Em seu carro, utiliza o GNV, que aumentou de preço e acabou colaborando para a redução de sua renda.
“Eu tenho trabalhado um pouco mais para ter a mesma renda que eu tinha quando o combustível estava com o preço anterior. Como as corridas mantiveram o preço, ficamos no prejuízo. Hoje essa é a minha única fonte de renda, então dependo dela para cumprir com meus compromissos financeiros”, conta o motorista.