Se não é preciso desmatar para produzir alimento, por que financiar o desmatamento com dinheiro público? Esse é o grande questionamento da campanha lançada pelo Instituto Escolhas, no Dia Nacional da Pecuária (14 de outubro), que mostrou através de estudo que anualmente são fornecidos cerca de R$ 12,3 bilhões em subsídios ao setor agropecuário.
A pesquisa “Do pasto ao prato” indicou que, em uma década, os incentivos concedidos à cadeia da carne bovina custaram R$ 123 bilhões aos cofres públicos. Se por ano foram arrecadados R$ 15,1 bilhões, 79% dos impostos não ficaram na União, sendo “devolvidos” aos empresários em forma de subsídios, incentivos, créditos rurais, renúncias fiscais, impostos, anistias e perdões de dívidas.
“Como os subsídios respondem pela quase totalidade do que é arrecadado, será o setor economicamente sustentável?”, questiona o estudo.
Leia também: Agronegócio causa desemprego e êxodo na fronteira Matopiba
“O governo deve fazer a sua parte e negar financiamento para quem desmata. É o jeito certo de mostrar que o dinheiro público não financia o desmatamento. O que o Brasil precisa é garantir que esse produtor, principalmente o pequeno, é quem vai receber dinheiro público para produzir”, afirma o diretor executivo do Escolhas, Sergio Leitão.
Os números do estudo do Escolhas, divulgado em janeiro de 2020, comprovam o alto impacto ambiental que existe no País, em uma cadeia altamente financiada. A pegada de carbono média é de 78 quilos de CO2e4 a cada quilo de carne bovina, considerando todas as regiões do país, no período de 2008 a 2017. Ou seja, esse é o total de dióxido de carbono lançado ao meio ambiente a cada quilo de carne produzida no Brasil.
A pegada de carbono mede as emissões de gases de efeito estufa. A pesquisa avaliou as emissões e as remoções em pastos usados para a pecuária, além de estimadas as emissões ao longo da cadeia logística até o consumidor, as emissões do processamento da carne, os diferentes tipos de pastos e manejos: pastagem extensiva (degradada, estável e bem manejada); sistemas integrados (integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta); e confinamento.
A maior emissão média registrada foi de 183 quilos de CO2e a cada quilo de carne, na região do Matopiba – que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Já na Amazônia Legal, que vem sofrendo pressão em razão da expansão da fronteira agrícola, a pegada de carbono média é de 145 quilos de CO2e por quilo de carne bovina, bem acima da média dos demais estados, de 23 quilos de CO2e por quilo.
Com um rebanho de mais de 183 milhões de cabeças de gado de corte, a cadeia da bovinocultura de corte representou 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e 13,9% do PIB do agronegócio, em 2017. Em questão de lançamento de poluentes na atmosfera pelo setor, foram cerca de 290 milhões de toneladas de CO2, no período de 2008 a 2017, 14% do total de emissões do País no intervalo.
Matopiba e Amazônia preocupam
De acordo com o relatório “Seu dinheiro está destruindo florestas tropicais ou violand direitos humanos?”, da Forests & Finance, o Banco do Brasil, instituição do Governo, é o maior financiador de empresas de commodities com risco de desmatamento no País (30 bilhões de dólares), devido ao seu papel como o maior operador do Crédito Rural. Os dados também mostram que o BNDES foi o maior provedor de investimentos para empresas de risco de desmatamento operando no Brasil (U$ 3.8 bilhões – abril/2020). Mais da metade dos investimentos do banco foi direcionada ao setor de carne bovina.
O líder do Instituto Escolhas, Sergio Leitão, acredita que esse dinheiro público deveria incentivar o aumento da produtividade e a recuperação de áreas já desmatadas, e não uma agressão desnecessária ao meio ambiente. Segundo ele, já há bons exemplos a serem seguidos de utilização de áreas já desflorestadas e de aumento na produção com respeito ao meio ambiente.
Segundo a instituição, é possível zerar o desmatamento – sem impactos na economia – e investir na expansão da produção usando as áreas já abertas para pasto, hoje subutilizadas. “Os financiamentos públicos devem ser direcionados apenas para quem produz sem desmatar”, afirma.
E não é só o instituto que revela que para levar alimento à mesa dos milhões de brasileiros a degradação ambiental não é necessária. A própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vem afirmando que o Brasil não depende da Amazônia para produzir e que não precisamos mais desmatar para comer.