Com a proibição do carnaval de rua em grande parte do Brasil, principalmente nas capitais, os foliões viram uma das maiores festas da cultura brasileira adotar uma nova tendência. Hoje, os eventos privados no carnaval são a única oportunidade de viver um pouco da festa popular que foi desautorizada com a chegada da pandemia da Covid-19. Mas como é que os trabalhadores que dependiam da festividade pública vão sobreviver a essa lacuna?
Na cidade do Rio, um dos principais centros carnavalescos do país, a programação de desfile dos blocos de rua, autorizados pela prefeitura, chegava a passar de 450 desfiles durante todo o período da festa. Os ambulantes, considerados “garçons da festa” aproveitavam a folia para fazer uma renda, considerada essencial para eles.
Mas este ano, o máximo que se pode promover são festas fechadas com número limitado de pessoas e com exigência do comprovante de vacinação contra a Covid-19. E os trabalhadores? Ficaram de fora do planejamento e precisam “correr por fora” para não perderem uma renda que em tempos de crise são mais importantes do que nunca.
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“O cancelamento do carnaval pra gente foi um baque. É ali que a gente faz o nosso décimo terceiro. Muita gente faz dinheiro para pagar dívida atrasada, para se manter o ano inteiro, pra pagar aluguel, pra conta atrasada, pra fazer mais um puxadinho ou reformar a casa. Sem esses dias, mais uma vez, as dívidas só irão aumentar. Então precisamos é de apoio do poder público pra gente continuar sobrevivendo”, afirma a camelô e coordenadora do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), Maria de Lourdes do Carmo.
Mais conhecida como Maria dos Camelôs, a ambulante trabalha nas ruas o ano inteiro. Em épocas de carnaval, Maria trabalha no pré-carnaval com fantasia e na festa oficial vendendo caipirinha em Santa Teresa.
Aos 12, Maria de Lourdes chegou a Japeri, vinda de Caratinga, Minas Gerais. Começou na capital fluminense trabalhando em casa de família, e em 1996 iniciou a jornada como camelô nas ruas do Rio. Separada, mãe de dois filhos e sem ter como pagar as contas com o trabalho doméstico, passou a vender papel de presente.
Luta em todas as esferas
Lá atrás precisou se libertar de um relacionamento violento, e, hoje, uma das suas principais agonias é o seu não reconhecimento como trabalhadora e a perseguição que enfrenta da guarda municipal.
“Esse trabalho informal pra gente é muito importante. Imagina você chegar na rua, desempregado, comprar uma mercadoria, colocar na rua e você ter que correr da guarda municipal como se tivesse fazendo algo errado. A única coisa que a gente quer é levar o pão de cada dia pros nossos filhos, pagar nosso aluguel e viver dignamente. A gente não vem pra rua porque quer, nós somos empurrados pra rua”, diz a ambulante mineira.
Hoje, Maria dos Camelôs, atua na liderança do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), uma organização que luta pelos direitos dos trabalhadores informais. Atualmente, uma das principais demandas da classe é o oferecimento de um auxílio pela prefeitura do Rio, para tentar diminuir o prejuízo causado por conta do cancelamento do Carnaval.
Já Paulo Ricardo Avelino, nascido na cidade de Nilópolis, é ambulante há 11 anos. Casado e com quatro filhos, o trabalhador vende bebidas e doces para sustentar a família. Para Paulo, a inexistência do carnaval de rua prejudica muito seu trabalho. Ele, apesar de não acompanhar os blocos pelas ruas do Rio, tem seu ponto fixo e depende da movimentação de foliões para realizar suas vendas.
Para Paulo, as maiores dificuldades que ele e sua classe enfrentam é a falta de uma licença definitiva para trabalhar, o que impediria o medo do dia a dia de a qualquer momento chegar a guarda municipal e efetuar a apreensão da mercadoria. Ele crê que é quase impossível conseguir essa autorização sendo um trabalhador comum, sem uma influência interna na prefeitura.
O ambulante que atualmente vive na Ilha de Paquetá é um dos inúmeros ambulantes que não conseguiram receber o auxílio fornecido pelo poder municipal.
“Não cheguei a me cadastrar para o auxílio da prefeitura, porque eu não consegui nem saber onde eu me inscrevia. Informação zero que eu tive. Mas vou continuar no meu dia a dia de sempre para tentar ganhar meu dinheiro”, diz o ambulante.
Saúde em primeiro lugar
No início de fevereiro, o prefeito Eduardo Paes, acompanhado dos secretários de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, Chicão Bulhões, e de Fazenda e Planejamento, Pedro Paulo, anunciou o Auxílio Ambulante Carnaval de Rua, que pretende pagar R$ 500 a mais de 9 mil ambulantes do Rio de Janeiro.
Porém o Movimento Unido dos Camelôs não considera o valor e nem o número de beneficiados justos. O movimento acha que o auxílio pago deveria ser de R$ 1.000, além de que o poder público teria que aumentar o número de trabalhadores atendidos pelo benefício. Na estimativa da organização, cerca de 40 mil camelôs serão prejudicados pela proibição do carnaval de rua.
“A prefeitura está pagando o auxílio para quem tem cadastro na Ambev, e os verdadeiros camelôs, que trabalham o ano todo na rua, não se cadastraram na Ambev, porque é um cadastro covarde e você precisa passar por um sorteio. Se você não for sorteado, você tá fora. A gente não acha justo. Então esse auxílio não vai servir os trabalhadores que trabalham na rua todos os dias, que são os garçons da festa, que são o povo da cultura da cidade do Rio”, indica Maria dos Camelôs.
Em evento realizado na sexta-feira passada (18), que contou com a presença do prefeito Eduardo Paes e dos secretários da Fazenda, Pedro Paulo, e de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, a prefeitura anunciou que menos da metade dos 9.262 ambulantes do carnaval aptos a receber o benefício de R$ 500 solicitaram o auxílio pago em parcela única na sexta (18). Apenas 3.918 ambulantes, ou seja 42% do total hábil, requisitaram o benefício.
A Agência Nossa procurou a Prefeitura do Rio para entender os desencontros entre as demandas dos trabalhadores e a oferta do município. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação comunicou que “tem direito ao auxílio os 9.262 ambulantes cadastrados, de forma impessoal e via edital, pela empresa que ganhou a licitação feita pela RIOTUR, por meio do Caderno de Encargos, para organizar o Carnaval de blocos de rua 2020”.
A respeito do valor, que os trabalhadores consideram metade do necessário, a SMDEIS informou que foi o mesmo do Auxílio Carioca, pago pela Prefeitura aos mais vulneráveis em 2021. “O objetivo dos auxílios é minimizar os impactos da pandemia, não repor 100% das perdas”, concluiu a nota enviada.
Maria de Lourdes do Carmo finaliza a sua entrevista confirmando que os trabalhadores vão continuar vendendo na rua como meio de sobrevivência, afinal haverá, inevitavelmente, por conta dos eventos fechados, pessoas circulando pela rua. Além disso, a organização pensa em fazer seus próprios eventos, que são permitidos pela prefeitura.
“A gente vai estar na rua, onde o povo está, porque a gente não tem alternativa. As pessoas estão passando necessidade, sem trabalho, tem gente garimpando e conseguindo apenas 30 reais por dia. É muito complicado pra gente esse momento. Sem apoio nenhum, sem política pública, a gente vai estar na rua”, declara a trabalhadora.