Por Maurício Krepsky* e Lívia Mendes**

O Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo, comumente conhecido como “Lista suja” existe desde 17 de novembro de 2003. Originalmente criado pela Portaria 1.234, o Cadastro fazia parte dos objetivos gerais e específicos previstos no “Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo”, lançado no início do ano de 2003. De acordo com a Portaria, o empregador flagrado submetendo trabalhadores à condição análoga à escravidão tem seu nome incluído em Cadastro público e com ampla divulgação, atualizado a cada seis meses, após decisão final administrativa do auto de infração lavrado pela Inspeção do Trabalho, garantida a ampla defesa durante o processo administrativo.

Uma vez incluído na Lista Suja o empregador fica impedido de obter e/ou manter financiamento público da sua atividade econômica, nos termos da Portaria 1.150 de 18 de novembro de 2003. Em 2011, o Cadastro passou a ser ato conjunto do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da Portaria Interministerial MTE/SEDH nº 2, de 12 de maio. A nova portaria trouxe poucas mudanças materiais no Cadastro, mas, dentre elas, rebatizou-o com a alcunha que é mantida até hoje, Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, alterando o verbo “mantido” da portaria anterior para “submetido”.

Entretanto, em dezembro de 2014, a publicação do Cadastro foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por decisão liminar e monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5209,sob o fundamento de que “para a expedição de tais atos, faz-se necessária a preexistência de uma lei formal apta a estabelecer os limites de exercício do poder regulamentar” (art. 87, inciso II, da CF/88)4.

Em maio de 2016, foi editada a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4, ato conjunto do, à época, Ministro do Trabalho e Previdência Social e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. A portaria deu concretude à Lei 12.537/11 (Lei de Acesso à Informação), superando o argumento anteriormente utilizado pela ADI para a suspensão da Lista. Sendo assim, no mesmo mês de maio de 2016, a ministra Cármen Lúcia cassou a liminar que impedia a publicação do Cadastro, o que resultou na perda de objeto da ADI5.

Como não houve julgamento do mérito na ADI 5209, em 2018, a ABRAINC ajuizou a ADPF 509, questionando novamente a constitucionalidade da Lista Suja. Sustentou que a Portaria feria o princípio da reserva legal, uma vez que a criação de um cadastro restritivo de direitos somente poderia ter sido feita por meio de lei. Dessa vez, a liminar pretendendo a suspensão do Cadastro não foi provida pela Ministra Carmen Lúcia.  Em 16 de setembro de 2020, o Plenário do STF decidiu pela constitucionalidade da Lista Suja.

O Ministro Marco Aurélio entendeu que a Portaria não viola o princípio da reserva legal, dando efetividade e à Lei de Acesso à Informação, cujo princípio basilar denominado de “transparência ativa”, determina a obrigação dos órgãos e das entidades de divulgação das informações de interesse público independentemente de solicitação. Argumentou ainda que o Cadastro não tem caráter sancionador e que a Portaria realiza direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa humana composto pela proibição de instrumentalização do indivíduo e de valorização social do trabalho6. A decisão definitiva acerca da constitucionalidade do Cadastro apenas corrobora o reconhecimento, nacional e internacional, acerca da importância de sua criação e de sua existência como boa prática da Inspeção do Trabalho no Brasil.

A Lista Suja do Trabalho Escravo, não apenas afeta o recebimento de créditos públicos pelo explorador, podendo gerar efeitos mais amplos de controle social. A inserção do nome do empregador na lista pode provocar, por exemplo, o boicote dos consumidores aos seus produtos ou à modificação de sua cadeia produtiva a fim de torná-la mais transparente. Incide diretamente na imagem do empregador, essencial em um mundo em que a responsabilidade social agrega valor ao produto e às empresas.

Nenhum empreendimento sério, nacional ou estrangeiro, deseja ser associado a empresas que se utilizam da mão-de-obra escrava em sua cadeia de produção. A divulgação ampla dos nomes daqueles que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo é essencial para promover o consumo consciente e instigar a pressão social para a erradicação da prática.

Cumpre destacar que a Lista Suja é revista e publicada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cabendo ao empregador a adequação de sua conduta ao ordenamento jurídico brasileiro para não incorrer em nova inclusão. Pode ainda, pleitear a suspensão ou a exclusão de seu nome do Cadastro em razão da existência de acordo com União ou de ação judicial com ou sem pedido de liminar.

*Maurício Krepsky é auditor-fiscal do Trabalho, mestrando em Applied Human Rights pelaUnivesidade de York, graduado em Física pela Universidade de Brasília.

** e Lívia Mendes é professora associada da Faculdade de Direito da UniversidadeFederal de Minas Gerais (UFMG). Coordenadora da Clínica deTrabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG, Pós doutora emDireito pela Universidade de Brasília (UnB), doutora em Direito doTrabalho pela UFMG, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas.

Este texto corresponde a um trecho do artigo completo “A face oculta da lista suja do trabalho escravo”