Uma das cidades com mais assistência para pessoas em situação de rua, Belo Horizonte se destaca pela contratação de profissionais chamados educadores pares — pessoas que já tiveram uma trajetória de vida nas ruas e hoje integram as equipes de referência que auxiliam essa população.
“Ter alguém com trajetória nas ruas na equipe que atende às pessoas nessa condição é muito bom porque você quebra aquele gelo entre equipe e usuário, já que há alguém ali que muitas vezes já tem algum contato ou algum tipo de vínculo com elas”, explica à Agência Nossa o diretor do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), que atuou na Prefeitura da capital mineira. A presença desses profissionais com vivência nas ruas também é importante para que a política pública formal chegue a lugares em que as equipes de atendimento ainda não alcançaram pela falta de conhecimento sobre a sobrevivência nas ruas. “Só uma pessoa que de fato conhece aquele território e conhece aquele lugar da própria vivência é que sabe levar as equipes até ali”, complementa.
Assine a Volver! para receber gratuitamente nossas reportagens
Entre as dez cidades com maiores populações em situação de rua no Brasil, Belo Horizonte se destaca pela quantidade de unidades de atendimento e Porto Alegre pelo volume de atendimentos. A capital gaúcha tem a maior média de atendimentos nos Centros Pop segundo um levantamento realizado pela Agência Nossa. Com três unidades, em 2022 a cidade realizou 17.177 atendimentos, apresentando uma média de aproximadamente 5,39 atendimentos por pessoa. O município também conta com cinco Equipes de Consultório na Rua (eCR).
De acordo com dados reunidos pela Agência Nossa a partir do painel Pessoas em Situação de Rua no Brasil, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), que reúne informações como quantidade, perfil, violência sofrida e acesso à políticas públicas pela população em condição de rua, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Campinas e Florianópolis são os municípios com as maiores populações nessa situação respectivamente. Em 2022, juntas eles somavam 48% do total de pessoas sem moradia no Brasil.
Rio tem o menor atendimento do Brasil a pessoas em situação de rua por centro de referência
Niterói reduz a um terço atendimentos à população de rua
Governo dobra repasse para pessoas em situação de rua, mas reconhece que é pouco
Apesar do grande número de pessoas em situação de rua, que aumentou especialmente após o período de pandemia de COVID-19 em 2020, a quantidade de políticas públicas e serviços de assistência social prestados pelas cidades muitas vezes não cresce na mesma proporção. O Rio de Janeiro, por exemplo, mesmo contendo a segunda maior população em condição de rua (13.566) em 2022, tem a menor quantidade de atendimentos em Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros Pop) entre os dez municípios citados. Naquele ano, a capital realizou apenas 7.384, o que representa uma média de aproximadamente 0,54 atendimento por pessoa.
A experiência de Belo Horizonte
Belo Horizonte, listada como a terceira entre as cidades com os maiores números de pessoas em situação de rua, possui uma população de 11.826 nessa condição, de acordo com o Relatório População em Situação de Rua, também do MDHC, divulgado em agosto de 2023. Com relação ao acesso às políticas públicas, o painel do MDHC registra que em 2022 a capital contava com quatro unidades de Centros Pop e oito eCR. Somente nos centros, o município contabilizou 30.495 atendimentos, uma média de 2,57% por pessoa. “Em Belo Horizonte, hoje existem três unidades de Centros Pop para pessoas adultas e uma unidade para crianças e adolescentes, então são quatro unidades. Além delas, existe o atendimento à população em situação de rua em nove Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), com equipes específicas que atendem esse grupo”, informa Spindola.
O diretor explica que em alguns municípios o atendimento é concentrado apenas nos Centros Pops, então os Creas direcionam a população em condição de rua para eles. “Isso pode ser um fator que pode inflar o número de atendimentos nos Centros Pop em alguns municípios e dilui nos outros que tem um rede de atendimento mais capilarizada”, analisa.
Além da quantidade de atendimentos realizados, Belo Horizonte se destaca com ações voltadas para a população em situação de rua, com medidas nas áreas da assistência social, saúde, habitação, trabalho, emprego e renda. O conjunto de políticas foi proposto com base nos resultados apresentados pelo Censo da População de Rua na cidade, com levantamento que aconteceu entre os dias 19 e 21 de outubro de 2022, realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pedido da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Nessa linha de ações sociais voltadas para a PSR, chama a atenção o Programa Estamos Juntos, que busca qualificar e contratar pessoas nessa condição. A política criada pela Lei no 11.149/2019 também incentiva o empreendedorismo e a economia popular solidária. Conforme uma divulgação da Prefeitura, as empresas parceiras oferecem as vagas de trabalho ou de qualificação profissional e a Subsecretaria de Trabalho e Emprego encaminha as pessoas para a entrevista de contratação.
Outra experiência promovida por Belo Horizonte e adotada por outras cidades é a presença de pessoas que já viveram nas ruas para atuarem nas equipes de assistência. O diretor do Departamento de Proteção Social Especial ressalta também o trabalho com arte educadores, profissionais com formação artística, que utilizam da arte como instrumento de intervenção para a população em situação de rua. A estratégia lúdica contribui com a variação de ações para diversificar as formas de atendimento e inclusão desse grupo. “Temos um atendimento convencional da política pública que muitas das vezes demanda um movimento próprio do usuário, de ir atrás desse serviço, e que precisamos quebrar. Precisamos fazer um movimento inverso, da política pública se apresentar para esse usuário de uma forma um pouco mais lúdica e mais acessível, para que ele de fato consiga construir uma vinculação com a ação e ter outra perspectiva”.