Das dez cidades com mais pessoas sem lar no Brasil, o Rio de Janeiro é a que menos atende nos Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop). Os Centros Pop são unidades específicas para este público, com infraestrutura para banho, refeições e abrigo.
Esta e outras conclusões são parte do levantamento que a Agência Nossa realizou com base no relatório “População em Situação de Rua”, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Assine a Volver! para receber gratuitamente nossas reportagens
De acordo com o último dado completo do relatório, a cidade do Rio de Janeiro realizou 7.384 atendimentos nos Centros Pop, o menor número entre as dez cidades com as maiores populações de rua. O Rio tinha no mesmo período 12 mil pessoas cadastradas como população em situação de rua. Os dados são de 2022, últimos disponíveis para políticas públicas.
Para se ter uma ideia da falta de cobertura, Campinas possui a mesma quantidade de Centros Pop (2) e atendeu mais que o Rio – 8.798 vezes –, embora o total de pessoas em situação de rua (2.218) não chegue a um quarto do total do Rio.
Niterói reduz a um terço atendimentos à população de rua
Belo Horizonte contrata ex-moradores de rua para assistir pessoas hoje nessa situação
Governo dobra repasse para pessoas em situação de rua, mas reconhece que é pouco
Florianópolis também atingiu um número superior de atendimentos ao Rio (7.525) com apenas um Centro Pop. O Rio de Janeiro também tem a pior média de atendimentos, menos de um por pessoa nessa situação.
Mesmo com um crescimento de 30% no último ano analisado, o Rio continua sem um plano de trabalho eficiente para atender a essa população, de acordo com a Defensora Pública do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Cristiane Xavier.
“Isso é resultado de uma política pública sem planejamento e estudo da realidade”, diz Cristiane. “O que acontece no Rio de Janeiro é que a política pública não contempla a população em situação de rua. Há um entendimento equivocado de que se eu empurro essa população, se eu tiro qualquer serviço que existe no centro do Rio e da Zona Sul, que são os locais de visibilidade do Rio de Janeiro, eu solucionei a questão”, ressaltou a defensora.
Os números baixos de atendimento dos Centros Pop podem ser reflexo da precarização da política de assistência, segundo a defensora: “Devido à ausência de concurso público, contra a rotatividade de contratados, comissionados, terceirizados, com falta de capacitação e expertise, isso vem dificultando muito para que essa população tenha acesso a essa inscrição”.
“Basta ver no Rio de Janeiro o número de Centros Pop e o número da população em situação de rua”, relatou, que ainda ressaltou a localização de um dos Centros Pop como “simbolicamente degradante”, por ser construído ao lado de um lixão: “Porque parece um depósito de dejetos. Você tem a Comlurb com lixo e ao lado o Centro Pop para atender a população em situação de rua. Não me parece ser o local mais apropriado e adequado. E aí começa, nesse ponto, toda a questão da deficiência do serviço”, afirmou Cristiane.
Em resposta à Agência Nossa, a Secretaria Municipal de Assistência Social da cidade do Rio de Janeiro afirmou que realizou abordagens também por meio do Creas, que são unidades para assistência social, mas não contam com o aparato específico para a população em situação de rua.
“Em 2023, a partir de um trabalho integrado entre as diversas equipes de abordagem social, técnicos e educadores dos Creas, Centros Pop e das centrais de regulação de vagas, a secretaria realizou 24.643 acolhimentos de pessoas em situação de rua e maiores de 18 anos, garantindo o acolhimento, atendimento e encaminhamentos oferecidos pela equipe composta por assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e educadores sociais”, informou em nota.
O Creas atende famílias vulneráveis, que podem incluir pessoas sem teto, mas que normalmente não são os maiores alvos, como explicou o diretor do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Regis Spindola. Segundo ele, a abordagem pelo Centro Pop é a adequada, pois nestas unidades as pessoas podem tomar banho, se alimentar e procurar abrigo.
A Prefeitura do Rio acrescentou que, ainda em 2023, a Secretaria Municipal de Assistência Social, através de suas equipes, realizou o total de 1.059 reinserções familiares ou comunitárias junto a população maior de 18 anos acolhida em suas unidades de reinserção social, albergues e através do Projeto de Volta à Terra Natal, “com o acompanhamento continuado junto às outras unidades de Assistência Social dos territórios”, acrescentou.
A capital carioca recebeu do governo federal no ano passado cerca de R$ 5 milhões para destinar à pessoas em situação de rua, dos quais R$ 2,3 milhões foram para Centros Pop.
Desburocratização de atendimentos
De acordo com a defensora, um dos entraves do atendimento dessa população é a falta de documentação: “Se ela não tem documento, ela não existe juridicamente”, afirmou Cristiane. Como muitas dessas pessoas perdem os seus, isso dificulta o atendimento em Centros Pop.
O que já não ocorre nos atendimentos das Equipes de Consultórios na Rua. Por ser um trabalho itinerante, as equipes vão para diferentes regiões reconhecidas pela presença de pessoas sem lar, com isso, entram em contato com uma maior parcela da população na rua e atendem as demandas com menor burocracia, como a exigência de identidade ou de algum comprovante de residência, por exemplo.
Nos atendimentos das Equipes de Consultórios na Rua, o Rio de Janeiro sobe para a 2º posição, ficando atrás apenas de São Paulo, em termos absolutos.
De 2021 para 2022, o Rio de Janeiro formou mais três dessas equipes, passando de sete para dez, e aumentou em 30% o número de atendimentos, saindo de pouco mais de 73 mil para aproximadamente 95 mil. E, ainda assim, poderia ter formado mais equipes com o apoio do Governo Federal, já que de acordo com o PNAB, Política Nacional de Atenção Básica (2012), o número máximo de eCR para o Rio de Janeiro poderia ser de até 14 equipes.
No estado
A Secretaria do estado do Rio de Janeiro, em nota, afirmou que a política assistencial seria de prioridade do poder municipal, mas ainda assim: “em casos caracterizados como de alta complexidade, oferecemos unidades de atendimento, seja para idosos, crianças ou pessoas com deficiência”, ressaltou.
Além disso, criaram o Programa Hotel Acolher e o Abrigo Cristo Redentor, “com mais de 200 idosos abrigados, e que recebe pessoas em situação de vulnerabilidade social. Temos também outros três abrigos para atendimento de homens e mulheres com deficiência, além dos abrigos da FIA que atendem crianças e adolescentes”, informa.
Ainda, a Secretaria do estado do Rio de Janeiro citou que existe um estudo por parte da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos para os dependentes químicos e alcóolicos: “já vistoriou e monitorou as Comunidades Terapêuticas que farão parte da rede estadual.
Mesmo sendo importante, a defensora ressalta que o Hotel Acolhedor não atende da melhor forma possível as necessidades da população, tendo em vista que muitas dessas pessoas sobrevivem da reciclagem e esse trabalho normalmente é noturno e elas precisam entrar nos hotéis acolhedores até às sete horas da noite.
“Então, como catar o material reciclado, se ele é descartado à noite? Como guardar o seu carrinho? Onde vai guardar?”, ponderou Cristiane, que afirmou: “A gente precisa ter um tratamento especial, um tratamento com as circunstâncias de cada pessoa ou de cada segmento. Eu não posso tratar a família que está em situação de rua da mesma forma que eu vou tratar a mulher vítima de violência, da mesma forma que eu vou tratar a pessoa adulta, da mesma forma que eu vou tratar a pessoa LGBTQIA+, ou a criança ou o idoso”, afirmou.