O total de matrículas na rede pública de Niterói, cidade com maior índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado do Rio, recuou quase 6%, de acordo com levantamento realizado pela Agência Nossa a partir dos dados do Censo Escolar de 2023.
A educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, assim como a educação de jovens e adultos (EJA), sofreram uma diminuição na quantidade de matrículas no último ano, sendo o ensino para crianças de 0 a 3 anos o mais afetado.
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Considerando as escolas municipais e estaduais localizadas no município e as etapas de ensino da educação básica, o total de matrículas recuou de 48.955 para 46.208 no ano anterior. Foram 2.747 a menos, superando a média nacional, de 2,41% (sem considerar a rede federal). A maior queda foi na educação infantil.
“Não costumamos receber denúncias de falta de vagas no ensino fundamental e médio, o que recebemos muito é de ausência de vagas em creches, que considera o período de 0 a 3 anos, uma realidade do estado do estado do Rio de Janeiro”, afirma o coordenador de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Rodrigo Azambuja.
De acordo com a plataforma Panorama Educação, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), 44,47% das crianças de 0 a 3 estavam matriculadas em creches, taxa maior que a do estado (39,83%), mas ainda abaixo do determinado pelo Plano Nacional de Educação (PNE), de 50%.
Em 2023, a DPRJ denunciou a cidade pela falta de vagas em creches e estabeleceu um prazo de 70 dias para a Prefeitura Municipal de Niterói matricular, sob pena de multa diária, as crianças inscritas no cadastro da demanda escolar em creches e pré-escolas. Outro prazo de 90 dias também foi determinado para apresentar as medidas e projetos para solucionar o déficit relacionado à educação infantil. Na época, mais de 3 mil crianças corriam o risco de ficar sem estudar no município. Ao final de 2022, a lista de espera por uma vaga em creches era de mais de 2.000 crianças de 0 a 3 anos, passando para 2.396 em 2023, e mais 699 crianças de 4 a 5 aguardavam por uma vaga na pré-escola.
A situação na rede de ensino da cidade afeta não apenas o aprendizado das crianças, mas também a vida dos responsáveis por elas. Moradora do bairro do Ingá, Ulle Cristina Cândida Conceição compartilha que enfrentou dificuldades ao tentar matricular os três filhos, uma menina de dois anos e dois meninos que estão iniciando o primeiro ano do ensino fundamental, em escolas da rede municipal para o ano letivo de 2024. Inicialmente, Ulle tentou matricular a criança mais nova em duas escolas da cidade, uma no Morro do Palácio, também no bairro do Ingá, e outra no bairro vizinho, em São Domingos.
“Tentei matricular a menina na primeira fase, mas por ela ter na época 1 ano e 11 meses, não consegui vaga. No site dizia que ela não tinha idade, que não estava apta para entrar em uma creche. Consegui a matrícula depois, no dia 27 de fevereiro, mas ela ficou na posição 215 da lista de espera”, conta. Quanto aos dois meninos, comenta que por falta de vagas precisou matriculá-los em uma escola mais distante, mesmo uma diretora com quem tem contato tendo afirmado que existiam vagas no Ingá: “Na primeira fase, eles foram para uma escola na Engenhoca, muito longe, e depois foram para uma no Fonseca. Aqui no Ingá não tem nenhuma vaga para o primeiro ano do ensino fundamental”.
Ulle, que trabalha como manicure, explica que apesar da distância preferiu matricular os filhos em uma escola mais distante para garantir as vagas e depois tentar transferi-los para uma unidade mais próxima. A sua preocupação agora é que, caso não consiga, vai precisar alterar sua rotina de trabalho, saindo de casa e sendo liberada mais cedo, para levar e buscar os dois meninos na escola.
À Agência Nossa, Azambuja informou que a Defensoria não possui os dados atualizados da lista de espera para 2024, porque, apesar da Lei 14.685, de 2023 obrigar o poder público a divulgá-la, as informações de Niterói não são abertas: “Já pedimos esses dados para a Prefeitura, porque a lista de espera de Niterói não é pública”, declara. O coordenador esclarece que “não que seja lícito haver lista de espera, todos deveriam estar matriculados. A interpretação que fazemos dessa lei é que ela autoriza haver lista de espera caso a pessoa queira uma vaga naquela escola, mas o poder público também pode designar uma escola próxima que não seja exatamente a que a família deseja”.
Por meio de uma ação civil pública ajuizada pela Coordenadoria de Infância e Juventude (Coinfância), em parceria com o 6o Núcleo Regional de Tutela Coletiva da Defensoria, também foi definido que o município de Niterói deveria custear os valores das mensalidades e as demais despesas atreladas à educação, como transporte, alimentação e materiais didáticos e pedagógicos, em escolas privadas para as crianças na lista de espera. Para isso, a Prefeitura desenvolveu o Programa Escola Parceira, que oferece bolsas de estudo para que crianças de 0 a 5 anos não contempladas por uma vaga na educação infantil da rede municipal e com o nome cadastrado na lista de espera tenham acesso à escola.
O ensino fundamental, o ensino médio e o EJA também passaram por queda. No primeiro, considerando os anos iniciais e finais, as matrículas passaram de 27.824 em 2022 para 27.073 em 2023. Nos três anos finais da escola, o número caiu de 11.204 para 10.035. Por fim, no EJA, a queda foi de 3.426 para 2.928.
De acordo com o vereador Professor Tulio (PSOL), membro da Comissão Permanente de Educação da Câmara dos Vereadores, “falta olhar para a educação e para a falta de vagas nas escolas como prioridade de governo e os números do Censo Escolar refletem isso”.
“A rede municipal de educação de Niterói, apesar de ter profissionais extremamente qualificados, piorou nesses últimos anos por culpa de sucessivas gestões desastrosas”, afirma.
Para ele, a diminuição da quantidade de matrículas na cidade está diretamente relacionada ao papel dado à educação pela atual administração. Segundo o parlamentar, a gestão atual não construiu nenhuma escola.
“Ainda que há anos tenhamos registrado uma carência de vagas na rede municipal, o governo parece ter ignorado esse problema. Grael prometeu entregar oito unidades escolares durante seu governo, o que já não resolveria a carência de vagas, mas, até agora, somente quatro unidades estão em construção para serem entregues no meio do ano letivo e no último ano de sua gestão”.
Procurada em 16 de fevereiro por nossa reportagem, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Niterói informou que o secretário de educação não teria disponibilidade para comentar as questões levantadas pela Agência Nossa. Também não foram respondidas até o fechamento desta reportagem as perguntas que enviamos com base nos dados apresentados e informações apuradas.
Royalties da educação
Professor Tulio observa que em relação às receitas do pré-sal, a lei 12.858 estabelece que 75% das receitas dos poços cujos contratos tenham sido assinados a partir de 3 de dezembro de 2012 sejam destinados à educação pública. Nesse sentido, segundo ele, estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontam indícios de que entre 2020 e 2022 Niterói vem descumprindo esta lei, não repassando corretamente os valores dos royalties para a educação.
Apuramos, porém, que as contas da cidade nos últimos anos estão aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Para o parlamentar, enquanto a cidade mantém uma rica agenda cultural, a educação, sobretudo infantil, sofre com a redução dos recursos que deveriam ser aplicados.
“É uma contradição, mas é preciso deixar claro que Niterói tem recursos para os dois, tanto para shows e eventos culturais, quanto para investir na ampliação da educação. O problema é a falta de gestão e vontade política em priorizar a educação e outros serviços públicos”, afirma o vereador.
Matéria corrigida em 01 de março com a informação de que a lei 12.858 vale para recursos do petróleo e não para o Fundeb