O presidente do Goldman Sachs, John Waldron, falou nesta quinta-feira em “destruição da demanda”. Na véspera, Jamie Dimon, CEO do J. P. Morgan, alertou para um “furacão” na economia global.
Considerado o banco central dos bancos centrais, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) reúne dados que apontam a escalada dos juros entre as principais economias do mundo. Mais de 60% entre 38 bancos centrais monitorados elevaram juros entre o final de 2021 e maio deste ano.
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Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Arábia Saudita, Índia, Coreia do Sul, Austrália, África do Sul, são exemplos de países que apertaram a política monetária nos últimos meses.
O aumento de juros é uma ferramenta para o combate à inflação, porque crédito mais caro inibe o consumidor. Com a guerra, a alta de preços tem sido um fenômeno global.
Alguns questionam a União Europeia por não ter aumentado as taxas ainda – o BC europeu sinalizou que vai aumentar somente a partir de julho. Mas a resposta para a demora pode estar na premissa básica de que juros mais altos inibem a demanda, mas nada podem fazer para estancar a inflação de oferta.
Se por um lado o respiro da pandemia deu fôlego ao consumo reprimido em vários segmentos da economia, por outro a guerra na Ucrânia atinge em cheio a oferta de produtos essenciais, entre alimentos e combustíveis.
Guerra afeta dólar, preços do pão e dos combustíveis
A Rússia, que colhe sanções de todos os lados, é o maior produtor de gás natural do mundo e o maior exportador de trigo do planeta. A Ucrânia também está entre os principais produtores de trigo e outros produtos básicos para a alimentação. A guerra também afeta expressivamente o preço de fertilizantes, essenciais para países importadores agrícolas como o Brasil.
Com a pandemia, a restrição a insumos – da China, por exemplo – também afetou a produção das empresas em todo o planeta. A falta de chips leva à restrição na oferta de smartphones e automóveis. A Apple limitou recentemente a venda de aparelhos, por não conseguir oferecer o suficiente, alegando a falta de chips.
Mesmo assim, diante de uma inflação essencialmente de oferta, os bancos centrais, inclusive o BC brasileiro, apertaram a política monetária. Enxugam gelo.
Mas podia ser pior.
“O Brasil é importador de inflação (…) A política é correta mas não atende no longo prazo”, afirmou à Agência Nossa o economista da XP Lawrence Bassani, líder regional do escritório no Rio de Janeiro.
Bassani avalia que estamos diante de uma década de inflação elevada, de dois dígitos. Não tem muito por onde escapar. Segundo ele, a dispersão da inflação exigiu a escalada de juros que o Banco Central vem realizando, mas agora, com a percepção de inflação menos generalizada, há espaço para a estabilidade dos juros, na sua opinião.
Ele concorda que o remédio (da alta de juros) é limitado, além de amargo. Mas avalia que se não fosse dado seria pior, pois um maior aumento do consumo elevaria ainda mais os preços (A orientação dele para investimentos é um hedge (proteção) com pelo menos 20% da carteira aplicada em títulos com índices de inflação, como NTN-B, atrelada ao IPCA).
A alta de juros afeta em cheio o crescimento econômico. Do lado da demanda, inibe o consumo e os investimentos produtivos. Do lado da oferta, restringe a produção, porque sem investimentos não há aumento da capacidade instalada nem avanços em tecnologias.
De fato, o aumento de 0,7% do consumo das famílias brasileiras no primeiro trimestre foi tímido considerando a volta das festas, dos eventos e de tantas outras coisas que ficaram acumuladas em dois anos de pandemia. A divulgação do PIB nesta quinta-feira também confirmou recuo de investimentos, com queda de 3,5% na formação bruta de capital fixo.
A indústria reduziu a produção de máquinas e equipamentos, comprometendo sua capacidade produtiva mesmo diante de um quadro de restrição de oferta.
Assim, o efeito dos juros altos podem contribuir para reforçar um ciclo inflacionário de oferta, piorando o quadro. Mas se esta política monetária não fosse aplicada poderia ser pior …
Os banqueiros do Goldman Sachs e do JP Morgan não estão brincando nas suas previsões. Porque as economias não têm para onde correr.
*Sabrina Lorenzi, fundadora da Agência Nossa, é jornalista especializada em economia.