Acionistas críticos da Vale, que integram movimento social contra a mineradora, questionam o relatório de atividades apresentado nesta sexta-feira pela mineradora em assembleia. Eles compraram ações da empresa para utilizar o direito de voz e voto durante as assembleias gerais anuais para denunciar as violações de direitos humanos e ambientais aos demais acionistas.
Nesta semana, a autoridade norte-americana do mercado de capitais, a SEC, anunciou que está processando a Vale por avaliar que a companhia mentiu sobre as condições de seguranças de suas instalações, levando a prejuízo bilionário aos acionistas com o acidente de Brumadinho. O desastre em Minas Gerais matou mais de 200 pessoas.
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A Vale apresenta nesta sexta-feira para seus acionistas o relatório de suas atividades de 2021. A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), rede que reúne, desde 2009, comunidades, trabalhadores, pesquisadores, movimentos sociais, sindicatos e outros grupos engajados no enfrentamento das violações de direitos humanos e dos impactos socioambientais resultantes das atividades da Vale, questiona a transparência e a honestidade das informações do documento. Em protesto, pela primeira vez em 10 anos, acionistas críticos à Vale, membros do AIAAV, não participarão das assembleias.
“Em um ano marcado pela pandemia de covid-19 e seus impactos globais, os métodos usados pela Vale para atingir o maior lucro da história de uma empresa aberta no Brasil em2021, de R$ 121,2 bilhões, precisam ser questionados, diz Karina Kato, uma das acionistas críticas que integra a AIAAV.
Em suas comunicações, a empresa diz manter uma abordagem de engajamento proativa com as comunidades, criando oportunidades para um diálogo amplo e construtivo com foco no relacionamento de longo prazo e na construção de um legado para a sociedade.
Vinte mil pessoas na mira de barragens da Vale
A organização lista uma série de contradições à afirmação, seguir:
“Em Minas Gerais, a Frente de Luta pelas Atingidas e Atingidos pela Mineração vem denunciando a perseguição de mulheres que expõem os danos causados pela Vale nodistrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto. Já na comunidade de Socorro, em Barão de Cocais, moradores estariam sendo processados pela mineradora por terem regressado às casas que foram obrigados a deixar após evacuação em 2019, para recuperar pertences e animais.
Ali, um relatório feito pelo Ministério Público de Minas Gerais, divulgado em março de 2022, mostra que 96% dos núcleos familiares atingidos pelo problema relataram pelo menos um sintoma relacionado à saúde mental.
“Dos 783 entrevistados, 120 afirmaram que a Vale negou totalmente as solicitações de indenização e, das 155 pessoas que fecharam acordo, 81,5% dizem que o montante recebido não cobriu os custos com os danos sofridos”.
Descumprimento de acordo
“A mineradora afirma que houve aceleração dos programas de reparação de Mariana, liderados pela Fundação Renova, especialmente os de indenizações e reassentamentos. Mas após 5 anos e cinco meses do desastre, apenas 2,7% das famílias foram reassentadas.
Em 2019, a 12ª Vara Federal Agrária de Belo Horizonte homologou uma petição conjunta assinada pelo Ministério Público Federal e as empresas Vale, Samarco e BHP referente à escolha das assessorias técnicas independentes para a reparação dos efeitos do crime cometido na Bacia do Rio Doce. Um ano depois, as três empresas se negaram a custear os planos de trabalho elaborados pelas comunidades e passaram a questionar o tipo de assessoria que seria dada aos atingidos. A Justiça Federal ainda não tomou providências quanto ao impasse.
Desde de 2020, moradores de Socorro, Tabuleiro, Piteiras e Vila do Gongo têm denunciado que o pagamento das compensações estava sendo dificultados pela Vale, que chegava a exigir dos proprietários dos imóveis documentos inexistentes, além de não cumprir com os prazos de pagamento de indenizações legitimadas.
Denúncia de obras precárias em barragem
“A população vizinha à barragem de Doutor tampouco é citada na comunicação da Vale, nem sequer o desmoronamento, em outubro de 2021, do vertedouro construído com a função de descarregar a água e garantir a segurança da barragem após uma temporada de chuvas. Em dezembro daquele ano, moradores da região denunciaram a precariedade das obras feitas para segurança, que, segundo eles, não estão resistindo. A segurança também é uma questão na barragem de Mirim, onde, durante a realização de uma fiscalização do GEAF (Grupo Especial de Atuação Finalística do Ministério Público do Trabalho), a perícia verificou que na Zona de Auto salvamento da barragem, trabalhadores não sabiam como reagir em caso de inundação. No total, são cerca de 1,4 mil trabalhadores na zona”.
Omissão de descumprimento
“Nos últimos anos, a Vale descaracterizou 7 das 30 barragens construídas com o método chamado a montante, similar ao utilizado em Brumadinho. No entanto, a empresa não fazmenção ao descumprimento da lei conhecida como Mar de Lama Nunca Mais (Lei 23.291/2019), que prevê o descomissionamento de barragens construídas com esse método até 25 de fevereiro de 2022.
Como consequência, a Vale teve de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo de Minas Gerais e o Ministério Público do estado, com a participação da Agência Nacional de Mineração (ANM), acordando o pagamento de uma indenização de R$ 236,7 milhões por dano moral coletivo. O valor deve ser destinado a projetos que visem a segurança de barragens em Minas Gerais”.
Mina de carvão em Moçambique
“Em Moçambique, desde 2007 a Vale vem sendo denunciada repetidas vezes por violações de direitos com relação à operação da mina de Moatize e do Corredor de Nacala. Em 2021, a Vale anunciou a venda de seus ativos no país. Até hoje, cerca de 1.365 famílias reassentadas na área da mina, outras comunidades inteiras reassentadas ao longo da ferrovia, fabricantes de tijolos e comunidades vizinhas que sofrem com a poluição da mina aguardam compensação e o respeito a seus direitos.
No ano passado, acionistas críticos denunciaram que a Vale Moçambique vinha negando acesso a documentos públicos que davam conta dos impactos ambientais e sanitários do empreendimento. Em assembleia, a diretoria da Vale garantiu que encaminharia os documentos aos solicitantes, mas nunca o fez. O acesso aos relatórios, bem como às compensações, segue sendo negado pela empresa”.
Requerimentos para Terras Indígenas
“Quanto às causas indígenas, às quais a Vale diz se aliar, um relatório lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pela ONG Amazon Watch, em 2021, denuncia que o informe público referente à desistência, por parte da empresa, dos requerimentos à Agência Nacional da Mineração (ANM) de projetos de mineração que afetassem terras indígenas não passou de manobra.
A publicação identificou que mineradoras apenas excluíram da área requisitada a parte que se sobrepunha a terras indígenas. Na maioria dos pedidos, no entanto, a nova delimitação ocorre no limite das áreas ocupadas por povos originários, em alguns casos contrariando até a portaria 60 de 2015, que estabelece como raio de interferência a distância de 10 km.
Dessa forma, o efeito nocivo sobre as comunidades se mantém. Em 5 de novembro de 2021, a Vale detinha 75 requerimentos ativos com sobreposições em Terras Indígenas na Amazônia no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM)”.
Direitos Humanos na Indonésia
“Na Indonésia, três defensores de direitos humanos foram presos no dia 10 de março durante ato contra violações cometidas pela Vale. Hamrullah, 40 anos, Renaldy, 35, e Nimrod Sibanti, 59, participavam de um protesto junto a centenas de pessoas, reivindicando direitos básicos negados pela empresa.
Segundo relatos, em dado momento da manifestação, a segurança privada da empresa provocou os manifestantes, causando tumulto. Quatro pessoas de comunidades foram espancadas, e Hamrullah, Renaldy e Nimrod foram presos, acusados de incitação à violência”.
Procurada, a Vale não comentou as informações até o fechamento desta reportagem.