A terceira edição de Volver! entrega uma série de reportagens sobre pessoas em situação de rua enquanto uma nova lei cria condições para que este grupo consiga acessar processos seletivos entre outras portas para o mercado de trabalho.

A partir de dados do governo federal, a Agência Nossa levantou os locais com menor e maior número de atendimentos à população sem lar no Brasil. Também expomos que a quinta cidade mais rica do País reduziu a um terço os cuidados com pessoas em situação de rua, em um ambiente político polarizado que penaliza quem faz pelos mais pobres.

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Aquele papo de que morador de rua é pedinte ou bandido contaminou recentemente as redes sociais depois que viralizaram vídeos expondo atos violentos de dois indivíduos que vivem nas ruas de Niterói (RJ).

Pois é. Dois agressores passaram a representar todas as outras 867 pessoas em situação de rua da cidade nos discursos de ódio que tomaram conta das redes sociais. A proporção é menor do que conclui um levantamento dos Médicos sem Fronteiras: a pesquisa mostra que apenas 1% deles é pedinte e 1,5% já praticou furtos ou roubos. 65% são trabalhadores.

Para especialistas e políticos de oposição na cidade, a Prefeitura de Niterói prefere sucumbir à pressão do discurso desinformante sobre a população de rua do que cuidar dela. Isso ajudaria a entender por que os atendimentos a esta população despencaram a um terço do que eram cinco anos antes. No mesmo período, a população de rua dobrou no município!

Altivo Santos, 74 anos

Seu Altivo teve consultas e procedimentos desmarcados várias vezes pela Prefeitura de Niterói. Foto: Clara Branquinho/Agência Nossa

Acompanhamos a triste história de seu Altivo, de 74 anos. Cansou de ter consultas e procedimentos marcados e remarcados, entre exames que perdiam a validade, e nada da cirurgia de catarata. Nada também de obtermos alguma resposta da prefeitura sobre a queda do total de atendimentos de 2407 para 251 pelos consultórios na rua entre 2018 e 2022.

Entre os atendimentos que não aconteceram, alguns poderiam ter levado seu Altivo a recuperar a visão e sua principal atividade: pintar quadros.

Do outro lado da Baía de Guanabara, a capital carioca também não vai nada bem neste quesito. O Rio é a cidade que menos realiza atendimentos em centros de referência para pessoas em situação de rua (Centro Pops), segundo levantamento da Agência Nossa a partir de dados do Ministério dos Direitos Humanos e de informações do Ministério de Desenvolvimento Social, Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

O cruzamento de dados realizado pela Agência Nossa também traz notícia boa. Belo Horizonte se destaca pela quantidade de unidades de atendimento e Porto Alegre pelo volume de atendimentos. A capital gaúcha tem maior média de atendimentos nos centros de referência segundo nosso levantamento.

População em situação de rua no Largo do Machado, zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

O Rio realizou 7.384 atendimentos nos Centros Pop, o menor número entre as dez cidades com as maiores populações de rua no Brasil / Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

“Ter alguém com trajetória nas ruas na equipe que atende às pessoas em situação de rua é muito bom porque você quebra aquele gelo entre equipe e usuário, já que há alguém ali que muitas vezes já tem algum contato ou algum tipo de vínculo com elas”, observa o diretor do Departamento de Proteção Social Especial, do (MDS), Regis Spindola, que atuou na prefeitura da capital mineira antes de assumir o cargo no governo federal.

Em entrevista à Agência Nossa, Spindola detalhou algumas políticas públicas abandonadas nos últimos anos que foram retomadas no governo Lula.

A governo federal dobrou em 2023 os repasses para cuidar de pessoas em situação de rua, retomou políticas assistenciais abandonadas, relançou o plano para catadores, e, entre as medidas previstas na lei que acaba de sancionar, criará ferramentas de inserção desta população no mercado de trabalho.

Mas ainda precisa percorrer um longo caminho para conseguir preencher as lacunas deixadas pelo sucateamento de políticas públicas para esta população, agravadas pela pandemia, reconhece o diretor, que também é responsável pela Secretaria Nacional de Assistência Social.

 

 

 

Na iniciativa privada, mais uma vez identificamos contradições no ESG, a sigla em inglês para boas práticas em meio ambiente, social e governança. Outro levantamento da Agência Nossa, junto a 18 empresas bem colocadas em indicadores e selos ESG, mostra que apenas três delas respondem com ações de apoio aos chamados invisíveis, ainda que indiretamente. Identificamos ações da Natura, Vivo e eureciclo.

Espero que este trabalho ajude mais pessoas, governos e empresas a enxergar melhor essa população tão carente de tudo. Boa leitura!